Thursday, October 31, 2024

20 - Quê faz o amor?

 

Vigésimo conto: Quê faz o amor?

 

      Seus lábios são tão belos quando fremiam, que ela parecia por breves momentos estar num outro mundo, num passado ou num ambiente da imaginação. De fato, notavam-se peculiaridades como estas nela. Maria não se incomodava com qualquer coisa, pois era uma pessoa de bem com a vida, seu pequenos olhos, posicionados bastante próximos um do outro pareciam atuar junto com uma coloração azul claro, o que lhe dava um ar de sutileza e meiguice fora do ordinário.

      Uma beleza de tal envergadura que deixava atônito aqueles que a viam a primeira vez, e a segunda, e a terceira e assim por diante, numa cadência sucessiva e provavelmente infindável. Maria era tão sutil que sobrepujava em sutilezas à luz esplendorosa do sol, quando transpassava as folhas de frondosas árvores formando luminosidade quase que mística quando em contato com as brumas da floresta. Ora, não é a todo momento que se depara com uma mulher verdadeiramente deslumbrante como esta, sim, não, não julguem vocês que estou falando sob a ação da hipnótica poção do amor, definitivamente não ! Meu critério é tão cauteloso quanto verdadeiro! Tão sincero quanto contundente! Se julgarem acaso que falo com minúcia, é que uma obra minuciosa pede descrição igual.

      As belezas deste mundo devem ser vistas com olhos não humanos, mas supra humanos, aqueles que olham para Maria apenas com olhos de homem não a vêem por certo em toda sua plenitude, sequer se dão conta de toda a sua grandiosidade, uns olhinhos azuis tão meigos, que se contemplados verdadeiramente nos fazem cair em lágrimas, num pranto divino, algo que somente os anjos celestes poderiam explicar com maior clareza. Naquela ocasião entretanto tudo desmoronava repentinamente, eu não sabia que fazer, pois não vira jamais aqueles lábios finos tremer daquela maneira tão desoladora, sua boca pequena estava mostrando certa amargura, e eu sentado num banco do jardim não sabia que fazer, já que mesmo estando lá, diante dela,não a conhecia senão por muitos momentos de um amor ou uma veneração contemplativa. Dela sabia tudo, ela porém nada sabia de min.

     Com um medo besta e estúpido atravanquei minha meu corpo que mais parecia uma carcaça de boi jogada ao campo, num gélido temor senti a mácula de minha vergonha. Tanto hesitei que ao tentar andar dei um paço em falso, e acabei por tropeçar pateticamente em minha própria perna, caindo quase no colo de Maria, fiz, pelo que notei, com que ela se olvidasse do que sentia, pois naquele mesmo momento parou de chorar a ver que tipo de ocorrência, ou que louco era aquele.

-             Desculpe, acho que caí Maria. Errr. Nem me apresentei, meu nome é Frederico José Antônien Silveira, geralmente não costumo ser tão desajeitado ou descuidado, no entanto quando andava por aqui ocorreu-me de contemplar parte daquele lago ali na frente e inesperadamente tropecei naquela pomba que ali está, como a senhorita Maria pode mesmo ver com seus próprios olhos, aquela ali, não, a que está comendo umas migalhas de pão. Sim, se está demasiado longe para que eu pudesse ter pisado nela é porque de tão aterrada deve ter voado rapidamente para longe de min, pode inclusive a senhorita notar que nela há algumas penas esvoaçantes, fato provocado seguramente pelas turbulências de minhas pisadas, mas não, não tenha de min impressões negativas, foi absolutamente sem querer, não tive a intenção de causar quaisquer danos à ela.

-             Meu caro senhor... Qual o teu nome mesmo? A sim... Senhor Antônien, vejo que passaste uns maus bocados com aquela pomba, que porventura come uns alpistes tranqüilamente à no mínimo um quilômetro daqui, sim, se é isto que diz o senhor não vejo motivos para contraria-lo. Absolutamente não! É bastante plausível isto que me diz o senhor, com excessão do fato de que não consigo enxergar as penas da pobre pomba dado à distância que ela se encontra de nós, mas isto não vêm ao caso, sente-se direito a ver se te acertas, me parece que estás excessivamente nervoso. Claro, claro, mas não custa nada sentar-se e descansar um pouco. Pressa? Não, por favor, tenha a bondade, apenas recomponha-se, aliás: Como sabe que me chamo Maria?

      Pode ter sido algo desastroso, o modo como conheci Maria, mas assim foi, em meio a desculpas desencabidas para justificar um nervosismo desmensurado que travei um contato inicial. Foi de grande proveito conhecer suas amarguras, pois assim pude atenuar seus sofrimentos com conselhos que lia todos os dias sem falta numa interessante revista semanal de curiosidades femininas, ela por certo nunca desconfiou das fontes de meus sábios conselhos, ainda que eu tenha me utilizado desta artimanha pouco incorreto do ponto de vista ético, na moral os conselhos foram sempre bastante pertinentes.

      Não obstante, este fato considerei uma verdadeira futilidade quando comparado com a sensação que tinha quando me aproximava de Maria, um sentimento agradável, terno. Sentia-me mais leve, embalado de pensamentos esvoaçantes, ficava longe de min. Ela? Ela me conheceu, e notou as minhas inequívocas intenções de uma aproximação mais próxima. Assim, após pronúncias e conselhos dos mais diversos, pela afeição que criamos um pelo outro não foi necessário muito para criarmos um... Um caso, sim um caso, não poderia dizer ser aquilo exatamente um namoro, por uma característica de inconstância. Por isto minha alma sofreu demasiado, ela não me desejava com o mesmo vigor, claro, claro supostamente não me amava, julgava-me um tolo ou desconfiava dos conselhos plagiados... Por muito tempo recalcitrei sobre esta penúria pela qual passava, e quais poderiam ser exatamente os motivos causadores. Tanto pensei que num diz cheguei à uma solução, através de uma suposição bastante lógica: ela estaria agindo desta maneira tão desregrada por um desejo incutido no âmago de sua consciência. Por certo era o próprio amor, o responsável pelas ações incertas e duvidosas que provinham de sua parte. Meus caríssimos leitores: esta genial conclusão me levou a crer que precisava tomar uma atitude o quanto antes, que fizesse comprovar a hipótese, que convenhamos, é tão sábia quanto perspicaz.

      Num belo dia de sol, enquanto pássaros alimentavam suas ninhadas com minhocas, e gaviões  opulentos pairavam nos céus, estas aves majestosas e silenciosas que voam no topo do mundo pareciam me dizer coisas. Foi de supetão, após sete anos vivendo nesta modesta situação amorosa, aos trancos e barrancos eu a pedi em casamento.

     Não foi nada agradável ouvir da parte dela uma resposta negativa, para meu espanto tudo havia acabado. Foi então que contratei um detetive, que descobriu que quando Maria ia à sua casa entrava num receptáculo semitransparente parecido à um globo de vidro ou cristal, insinuou-me através de fotos que ela não era humana senão um ser distinto, que ao entrar neste globo se dividia em centenas de Maria pequeninas, era lá que passava toda a noite, melhor dizer: que passavam a noite, numa semi-luminosidade azul translúcido. Miríades de Marias que pela manhã se uniam novamente. Fiquei petrificado, e duvidei daquele detetive julgando-o um farsante e fraudulento, que podia estar fazendo fotomontagens das mais enigmáticas e fantásticas, duvidei até o momento em que vi com meus próprios olhos.

      O pai de Maria certo dia disse que ela nunca poderia se casar comigo, neste dia me mostrou que em sua casa havia um compartimento secreto que levava ao centro da terra, que era muito quente, descemos pela portinhola e escorregamos por um longo tubo até o centro da terra, onde miríades de seres pequeninos perambulavam por uma cidade toda, tudo ao redor era avermelhado com pedras incandescentes. O pai de Maria se dividiu em muitos, e eu fiquei parecendo um gigante. Após conhecer a inusitada cidade o pior de tudo foi ter de subir tantos quilômetros para a superfície, onde com bastante compreensão pude entender e atenuar meus laços afetivos com Maria. No entanto esta estupenda novidade não foi causa de quaisquer infortúnios senão motivo para o aumento de meus sentimentos mais nobres, pois ao invés de uma Maria haviam centenas delas. Agora, somente agora eu entendo por quê o amor faz multiplicar a fraternidade.

19 - O pintor de sonhos

 

Décimo nono Conto : O pintor de sonhos

 

 

      Efetivamente, a única coisa que fazemos enquanto vivemos, excluindo as coisas fúteis é buscar o sentido da vida, no intuito de algo discorrer sobre este mesmo tema, na possibilidade de acrescentar algo de útil à nossas existências está este conto, considerado por muitos como uma ilusão, no entanto por outros uma profética revelação das verdades humanas mais profundas, supostamente a revelação mais reveladora que se posa encontrar em milhares de anos. Não é qualquer presunção de minha parte dizer isto, pois por muito tempo pensou-se que os contos tivessem apenas o caráter de distração, após muitas gerações os mais felizardos tiveram a sensibilidade de notar que a linguagem dos contos traduzem as problemáticas humanas mais sinceras. Assim que inserimos aqui este conto para ilustrar a problemática mais essencial, a raiz de tudo, a origem: a própria existência:

      Estava Américo dormindo em sua casa de campo, uma casa de excelentes proporções, onde sempre que possível fugia às obrigações do trabalho intenso e fatigante para ter com os seus em seu refúgio campestre, era lá que se refazia da própria vida que levava. O que nos parece uma paródia: se refazer da vida, como se a vida não pudesse ser denominada com este nome: “vida”, os fatos mais atuais têm demonstrado que a denominação mais adequada para esta estrada pela qual perpassamos devesse ser algo como “desgaste” ou “tormento”. Assim perguntar-se-ia: 

      Não! Não podemos nos precipitar, pois tudo o que aqui será dito é relativo ao periodo de tormento, e não ao de vida de nosso personagem Américo. Alí estava ele, tranquilamente acendendo um cigarro, extra-forte daqueles que acendia sempre quando ficava mais tenso, mas tenso porque era tenso por natureza. Efetivamente vamos ver quê pensava ele neste momento.

       Não consigo me entender, estou cada vez menos atarefado e cada vez mais fatigado, a vida vêm me concedendo momentos exaustivos, trabalhos infindáveis, caminhos medonhos, verdades vãs, tudo perece obscurecido por algo invisível, mas que provoca uma sombra das mais pérfidas. Neste pátio tão belo em teoria não consigo ver a luz que se depara diante de meus aolhos, não sinto mais a fragância das rosas que suavemente pupulam com um ressoar de ventos longínquos, sim  o ressorar destes ares rápidos e apressados das folhas de árvores desconhecidas. Onde estarão indo eles senão de encontro às minhas narinas, e aos meus pulmões que há muito nada conhecem senão o vício torpe e maléfico da nicotina. Vejo que o destino me reserva caminhos desesperadores, me esconderei em min mesmo fugindo ao mundo que me cerca, soarão os cânticos mais tristes, as ladainhas mais cansativas, morrerei! Sim por certo é isto que me ocorrera. E não irão todos à este mesmo poço? Não acabarão todos suas ações ineficientes, improdutivas e  inócuas sobre a terra. Vejo que se porventira, oh, mas que pensamento, se porventura alguém pudesse ler o que penso estaria perdido. Sim, a pessoa se perderia juntamente comigo, talvez eu à levasse donde não quizesse ir, pois tal é a proporção de minha desgraça que vejo influenciar até os que andam comigo: amigos, parentes ou mesmo conhecidos. Haverá solução?

      Isto foi o que fizemos, entrar na mente de Américo enquanto fumava por alguns instante, de sorte que percebemos a dimensão de seu aspecto grave e medonho, mas este não foi seu derradeiro fim, senão começou a perceber que trabalho era bom, mas não era tudo o que dispunha na vida. Era uma pessoa inteligente, mas há muito parecia ter perdido a sabedoria para o discernimento exato do que podia fazer para bem viver. Decidiu, num ímpeto intuitivo fazer um curso de pintura, de fato, nunca havia pintado antes, no entanto vendo um anúncio no jornal sentiu-se por momentos incitado a logo virar à outra página a ler as terrificantes notícias do diário policial, mas sua idéia veio a calhar quando numa espécie de surto epiulético sua mão não quiz obedecer-lhe a ordem que seu cérebro enviava em transmissões sinápticas, o que no momento julgou bastante curioso, ficando encomodado e ao mesmo tempo encabulado já que à esta altura estava no metrô, e todos o olharam espantados não exatamente por ele não haver virado a página mas sim pelo modo como ele franziu o cenho, como se estivesse tomado derrepente por pensamentos que não lhe agradavam, isto é o que pensaram os circunstantes do trêm do metrô. Após este episídio tragicômico decorreu que o fato de não haver conseguido virar a página f^%ez com que ele desse, ao acaso, um pouco mais de atenção ao anúncio das aulas de pintura, lembrou-se automáticamente do momento em que fumava preocupadamente no pátio no horário de almoço, e relacionando aquela triste situação com o anúncio do jornal, e todavia com a estressante situação pela qual acabara de passar pensou uma vez mais o que teremos a oportunidade de ler, já que a literatura dispõe de determinadas vantagens com relação à muitas outras artes, e com relação à própria vida real:

      Mas que merda! Minha mão não que virar a página, é o cúmulo eu ter chagado à esta situação vergonhosa, assim vou denegrir minha imagem de respeito, e até um pouco de soberba, devo confessar, que imponho lá no trabalho, que são atitudes essenciais para que eu continue mantendo um posto tão elevado por lá. Mas veja isto, que coisa horrível, quer dizer, eu já tinha lido antes, e agora me parece algo aprazivo: um anúncio de cigarros da Mona Lisa, quer dizer, não era isso: Aulas de artes três vezes à semana, e ainda têm mais: Estudos aprofundados da história da arte com seus respectivos momentos de prática artistica, venha ser mais um diletante amante das cores e da enlevação do sentir. Mas que palhaçada é esta? Quer dizer, é um tanto diferente, e se possivel irei procurar esta escola de cigarr... quer dizer: de artes. Isto é definitivamente inconveniente, se acaso alguém pudesse ler meus pensamentos aqui neste metrô me tomariam como um louco, pois além de não controlar minhas mãos, mesus pensamentos parecem tomar uma liberdade inigualável, não, não posso estar sofrendo de personalidade dupla, isto que os psicólogos dizem, estas loucuras... Estarei eu em tal estado de insanidade que penso com tal contrariedade de idéias? Magnífico! Todos olham para min com estas caras patéticas e pasmas, estarão percebendo minhas reflexões? Não, não, isto seria impossível, de fato telepatia é uma coisa que proveio da fértil imaginação humana. Ora bolas, veja só em que situação me encontro, há já está chegando minha estação, vou me vingar de todos levantando-me de supetão, assim estes paspalhos vão se arrepender de ter rido de min, ora, mas que gente sem escrúpulos, gente assim não merece os olhos da cara, olho por olho dente por dente, todo homem têm o seu preço, tempo é dinheiro, tudo tem o seu limite, melhor um pássaro na mão que dois voando. Arrevoá.

      Assim, com um bom contingende de pensamentos aleatórios e distoantes Américo levantou-se aos tropeços, pois não notou um grande pacote de um ambulante que estava no chão do trêm, aos trancos e barrancos se desvencilhou de tanta gente que por mom,entos pensou que não iria conseguir sair naquela estação, fato que infelizmente se realizou, tendo ele que fazer uma demorada manobra para pegar o metrô no sentido inverso para efetivamente descer no lugar pretendido. Seus infortúnios eram muitos, sempre colocava a culpa destas desventuras na própria vida, quando na verdade a vida é maravilhosa, sendo ele o culpado de sua tristeza e revolta. Chegou em casa todavia mais preocupado, como se não bastasse o nível de tensão sobrenatural estava já pensando no dia seguinte, documentos importantes à serem entregues na empresa filial, reuniões primordiais para o crescimento da empresa, novos produtos a serem criados e lançados no mercado. Nem cumprimentou a esposa e foi banhar-se, jantou rapidamente o pouco de fome que se lhe deparava nas entranhas e logo postou-se no computador a trabalhar, trabalhou por duas horam em diversos projetos quando à uma hora terminou estava contundentem,ente exaurido de tudo, sim, do conjunto de situações que se acumularam no decorrer do dia, por momentos aqueles pensamentos sombrios lhe sobressaltaram os lobos diversos do cérebro, provocando sensações de desalento e molesa, não sabia muito que fazer, quando entrou no quarto a esposa já dormia, e nem tempo de falar com ela tivera, o que lhe pareceu uma insanidade, já que concluiu que a empresa evoluia enquanto ele denegria a si mesmo. Nós expectadores externos, podemos ter o privilégio não só de penetrar em sua casa e ver que faz senão em seus próprios pensamentos, o que é uma vantagem adicional na busca dos motivos mais imersos de sua realidade, é isto que muitas vezes faz um conto ser mais interessante que um “Reality Show”, sim, sim, supostamente estamos percrustando as sendas mais dialéticas da mente humana, que as aparências empíricas do mundo.

      É horrivel isto: trabalho, trabalho, trabalho. Até que enfim me dei conta de que o ócio proporciona a libredade do pensar, e o lazer de um periodo de descanço e provceito, minha esposa nem me deu bola, ou melhor: fuyi eu que nem a cumprimentei direito. Terrível, minha alma se entorpece em sentimentos confusos, pois a vida cai num terreno escuro, gélido, confuso. Há muito minha vida não tem sentido certo. Afinal: O que é vida? Vivemos para construir uma quantia enorme de bens e capital? De que adianta tudo isto se a alma morre aos poucos, e vai desistindo de viver, vai abaixando cada vez mais até ficar olhando o chão e andando sem sentido, pois não mais enxerga o que vai à frente. Almas perdidas, é isto que somos, almas extranhas a sí mesmo. Ó tristeza que me assola o coração. Haverá um despertar? Em meio à esta obscuridade de meu quarto, com toda aquela papelada lá no escritório me pergunto de que serve tudo aquilo. Tudo deveria ser mais simples, como, como... Sei lá, talvez como São Francisco de Assis, é, esquecer tudo isto e curtir a natureza em sua essência mais simples e sincera. Tenho saudades de meus tempos de moleque, quando subia nas árvores e fazia castelos de areia, naqueles tempos a vida parecia ser mais alegra e espontânea tudo tinha mais sentido. Minhas palpebras estão caíndo, acho que o sono está me vençendo, é de fato...

      Assim nosso personagem cai num sono letárgico e confuso, tendo em sí imagens de grande s pintores, conversava com muitos pintores, trocando idéias complexas à respeito de estilos e técnicas, depois teve a sensação de que o mundo era uma pintura, tudo o que existisse era misteriosamente colorido, os movimentos eram compostos por novas pinturas que ocorriam numa tela de proporções infinitas, e quem tivesse um pincel e tintas na mão era considerado um semi-deus e podia criar um monte de coisas no mundo, conforme a criatividade era manejada. Então ele passou a querer um pincel a todo custo, e passou a correr por campos pintados, castelos, cidades, selvas, pessoas e um monte de pinturas do mundo até que por fim encontrou um benévolo homem que lhe forneceu um pinceu, assim que teve a aquisição deste poderoso instrumento ficom extasiado, com um brilho no olhar que há muito não sentia, a felicidade lhe vasava dos lábios e os cabelos se tornaram revoltos diante de uma genialidade enevoante, era todo sorrisos, era gargalhada, saiu aos saltos pintando muitas coisas interessantes que lhe vinham à imaginação. Tornou-se um adulto com gênio de criança e sabedoria de idoso. Acordou como se ainda estivesse dormindo, seus lábios tinham uma postura de alegria total, a esposa, ao ver-lhe naquela situação perguntou qual era o motivo de tal alegria, e ele respondeu:

-             Minha alegria mulher, é provinda de um lugar mais próximo do que pudera eu imagirar em tanto tempo, da essência de min mesmo, é em min que está contida toda esta vontade de viver e encontrar o que há de melhor dentro de min e pintar no mundo, criando minha própria realidade no mundo, e não me submetendo às exigências que o mundo impõe de maneira forçosa. É isto, este é o motivo...

      De fato, aquela situação não era nada comum na vida de Américo, aliás era quase utópica, só não era utópica porque todo ser humano guarda dentro de si belezas inimagináveis. Que Américo decidiu fazer o curso de pintura julgo que não precisar-se-á aqui dizer, dado a inteligência e perscicácia do leitor prodígio. Foi então que o tormento se transformou em vida, e a vida vista como inigualável e constante novidade, arte, magia e por fim: Amor!

18 - O discurso da lembrança

 

Décimo oitavo conto: O discurso da lembrança

      Num ambiente descontraído, sim, um “hapy hour”, estavam um grupo de amigos conversando sobre assuntos diversos, sim, assuntos fúteis, destes que se conversa no dia a dia. Não é de se estranhar que tudo o que se possa imaginar deve hoje ser rápido, fácil e lucrativo. Neste grupo de amigos entretanto havia uma excessão, sim, uma excessão, um senhor lá de seus 50 anos, bem vivido, que era lá na empresa considerado como bastante esquisito, estranho. Sim, um sujeito para lá de peculiar, seu nome era Adalberto, e portador de um aspecto sisudo, bastante sério, chegando até a ser de tão sério um tanto sombrio, alguns o consideravam louco, outros esquizofrênico ainda que tanto uns quanto outros chegavam ao consenso de notar sua criatividade fora do comun. Era Adalberto um senhor introspectivo, com cabelos já em pouca quantidade e olhos de profundidade hipnotizante, em geral pouco falava, mas quando resolvia soltar o verbo por certo sempre havia grande maquinação por trás do que viria à tona. Por isto, mesmo tendo uma fama não muito invejada era considerado nobre e de caráter correto.

      Foi nesta ocasião, naquele “Happy Hour”, entremeado num assunto loquaz e sem rumo certo ou nexo de lógica, que Adalberto decidiu interferir no assunto de maneira consisa e enfática, deixando os outros enquanto falava boquiabertos, causando à uns um assombro fora do comum, noutros uma atitude de devoção, paixão e um misto de contemplação e veneração.

-             Meus amigos, há muito pretendia dizer-vos algo, não obstante não encontrava momento oportuno para tal, e agora, justo neste momento, quando vejo que a sociedade, e nossa pequena sociedade sobretudo perde de si os valores mais profundos que podem perpassar um grupo, doando-lhes sentido, vigor, motivação e sentido de existência é que desejo exprimir umas quantas idéias.

-             Mas quê idéias são estas Adalberto? – Perguntou um homem franzinho, de óculos elegantemente pequenos – Há muito que não dizes nada, e agora, tão derrepente deseja falar?

-             Isto mesmo Marcos. – Falou Adalberto, sem direcionar seu olhar exatamente ao outro, mas deixando-o um tanto vago como se quisesse penetrar tanto em Marcos a ultrapassar seu corpo. – Há no mundo homens distintos entre si, no entanto a característica mais notável entre todos é a sinceridade, ao menos é isto que vejo nos olhos de cada um que aqui está. E mesmo que os assuntos sejam de caráter corriqueiro tenho a percepção de que este caráter somente se dá na razão e na lógica do pensar, mas que em sua essência se relacionam com um consciente mais profundo de cada um. Ao mesmo tempo que dizemos coisas banais transmitimos coisas profundas, é isto uma percepção que tenho.

-             Bastante plausível tuas idéias. – Disse um personagem, ao qual não vamos referir nem o nome nem a aparência para o leitor, mas sim que disse isto sem entender patavinas do que fora dito, em seguida propôs um brinde às fantásticas idéias do amigo com gestos empolgantes e vivazes.

-             Sim meus amigos. – Disse Adalberto, numa postura fechada e introspectiva, olhando para algum lugar que a quem o olhace imaginaria estar num longínquo horizonte. – Vamos brindar o dia a dia mundano, brindartemos as preocupações que ocupam toda a nossa capacidade de percepção da realidade, brindaremos a falta de silência, brindaremos a constante mácula que assola nossa vida.

-             Quê dizes? – Perguntou marcos bastante interessado.

-             Que os dias de hoje são tão profundos quanto os de ontem, o que se desvaneceu foi apenas a percepção de que tudo continua igual.

-             Estás desembestadamente louco este nosso amigo – Volveu o mesmo ingênuo que quiz brindar. – Curiosamente não tomou nenhuma.

-             Tomei sim meus amigos, no entanto o cálice foi mais amargo do que possam imaginar os senhores: o cálice da sabedoria, que traz consigo um peso incrível, pois, o triste é daquele que imagina saber quando na verdade se afoga na poça da ignorância, este é feliz quando percrusta obscuras sendas da perdição. O que já detém o conhecimento não se arrisca a ser feliz.

      Após este profético discurso todos ficaram por um momento em silêncio, num tom reflexivo, como no intento de decifrar caracteres que não conseguiram assimilar. Alguns com um ar de galhofa fizeram um ou outro comentário engraçado tentando demonstrar feições despreocupadas, o que era impossível dado ao fato de que foram atinjidos profundamente pelas verdades que haviam sido reveladas. Outros ficaram estáticos, completamente calados, numa postura eclesiática, quem prestou atenção percebeu claramente que alguns fios de cabelo de suas cabeças levantaram em reverência ao sábio que ali estava. Tanto uns quanto outros perceberam o peso moral da seriedade de Adalberto, pois aqueles que o levaram como um saltimbanco louco não sabiam que seus conscientes profundos o reverenciaram, os que ficaram em silêncio não entendiam exatamente o que fora proferido pelo homem, e talvez até por isto o respeitaram com afeição inequívoca.

      Após esta pequena conferência existencial Adalberto calou-se, sem reparar a reação dos circunstantes, simplesmente levantou-se, e num tom absolutamente fez menção de cumprimenta-los com as mão, gesto que não completou, olhando-os nos olhos por breves instantes abaixoi a cabeça, e como se quizesse ir embora virou-se no sentido da porta daquele estabelecimento, ficou ali parado, os que estavam sentados não entenderam, por isto ficaram sem reação sem sabr se chamariam-no de volta ou diziam thau. Foi pouco depois que ele virou-se novamente no sentido da mesa, e olhando à todos com profundidade e magnitudes inconcebível disse veementemente:

-             É meus amigos, há tempos venho recalcitrando em questões que me infundem desespero e alegria ao mesmo tempo, pois assim é todo o conhecimento perene, tem vertentes completamente distintas, é por isto também que se anula em si mesmo, e faz com que o tudo que se possa conhecer não exista. Mas não fujo ao assunto que aqui me traz novamente – Disse isto como se houvesse realmente ido embora e retornado mais uma vez, o que ninguém, definitivamente ninguém riu não porque não perceberam nesta questão, mas sim pela sinceridade a alcance daquele olhar incisivo. – Estou aqui novamente por causa das lembranças que me assolam, já pensaram vocês nas lembranças? Estas imaginações fugazes, fugidias, imprecisas que nos chegam em momentos que não são por nós escolhidos em horas presisas, senão como por vontade delas mesmas nos momentos em que elas julgam oportunos. Que para nós podem condizer com momentos inoportuno. Sim,sim: estas incontroláveis imaginações já vividas que nos perpassam pela mente numa cadência desordenada, que não chega tão somente à raz~```ào senão que audaciosamente chegam às sendas do coração, incindindo às vezes em fenômenos corporais como aumento da frequência cardiaca, e em explosões respiratórias. Há lembranças, vocês são vivas, têm vontade própria, todas vocês vivem dentro de min. Como são belas...

       Adalberto, num extase provocado por seu próprio monólogo curvou-se em reverência à suas próprias idéias, todos o olhavam embasbacados esquecendo-se até de onde estavam ou quantos pudessem estar notando a atitude distinta do comparsa.

-             Vamos Adalberto, todos entendemos suas idéias, que aliás são profusamente interessante, no entanto9 estamos com certos problemas que devem ser debatidos, não que isto não nos interessa, não, não, isto em hipótese alguma. Sabe, errr, é que tudo o que discorremos não é exatamente filosofico, quer dizer, até é, mas temos uma premencia de assuntos mais importantes, não que este não seja...

-             Cale-se! -  Gritou Adalberto impaciente, fazendo não só com que ele se calasse como ele mais metade do estabelecimento, o que foi tragicômico e dramático à todos os envolvidos com aquela cena pitoresca e pouco divertida. -  Não disponho de tempo para suas desculpas ignóbeis meu amigo, aliás devo ausentar-me para não pagar mais o preço de minha própria sabedoria, não que não seja educado porque isto julgo ser portador, mas não suporto que de maneira tão repetitiva o senhor permaneça nesta impertinência descabida. Senhores: Adeus!

      Assim Adalberto, o peculiar integrante daquele grupo deu meia volta e foi-se a passos firmes e resolutos, numa atitude brava e heróica, enquanto os outros se recompunham da maneira a transparecer o menor contrangimento possivel, o que efetivamente era utópico, dado às proporções da situação criada por Alfredo. É assim que a partir deste dia todos passaram a entendê-lo pouco melhor, aprendendo também que Adalberto não era somente um louco errante como um profundo provocador das situações mais diversas da vida, é no detalhe que se encontra a solução, é na profundidade que está a sinceridade, é na filosofia que está a verdade.

17 - Cidade de isopor revisão da vida

 

Décimo sétimo conto: CIDADE DE ISOPOR, REVISÃO DA VIDA

 

      Uma cidade louca! É sim! É nisto que eu moro, as oportunidades de emprego são cada vez menores, os pedestres são desconsiderados pelos engenheiros com calçadas cada vez mais horríveis, deploráveis por certo estas calçadas que para um carro subir são construídas num ângulo de 45o , e nós caminhantes, simples e humildes caminhantes quando passamos por estas calçadas devemos nos condicionar a fazer muito mais força com uma perna que com a outra, já que é uma que sempre desafia uma elevação relativamente maior, talvez artrite a artrose, tendinite e micro-fraturas sejam os menores males a serem por nós caminhantes adquiridos, isto se deve ao fato de que os males mais incisivos estão nos âmbitos psíquicos: a sensação de desrespeito e a assimilação forçada de desvantagens como esta, que podem erroneamente ser consideradas como fúteis, mas que numa análise com pouco mais de bom senso e discernimento adequado notam-se singularidades tais que me fazem pensar como é louca esta cidade! Talvez um pouco sombria, sim sombria pela solidão, portas fechadas, paredes, concretos armados em retas de todos os ângulos, não se vêem mais as árvores com suas belezas incertas. É no ambiente que se segue o humano, pois somos resultado do que nos proporciona o local donde vivemos, logo, se vivemos num ambiente desarmonioso será nossas vidas tão besta quanto seja este.

      Assim pensava Richard enquanto andava numa calçada de péssima qualidade, em sua cidade, andava ao léu, sem outras preocupações que não fossem aquelas inerentes ao presente momento, às reclamações e conjecturas relativas à sua realidade. No entanto pouco sabia Richard que pudessem haver coisas mais importantes, profundas e dignas e conotação que não fossem seus insignificantes pensamentos, e suas injúrias ao seu ambiente, muito menos pudera ele imaginar que fosse assaltado por realidades mais profundas, foi isto justo o que ocorreu quando ele olhando avante, pensando nas dores que percebia na parte lateral distal de sua perna, mais ou menos na altura dos músculos Gastrocnêmio e Sóleo, notou que os prédios que via pareciam desmoronarem.

      Quê é isto? Não pode ser, estes prédios estão caindo. No entanto não fazem sequer um ruído, como estará isto ocorrendo? Estarei eu tão fora de min?

       Os prédios caíram por completo, como isopor, pois não produziram sequer um ruido, o silêncio era tanto que por instantes Richard imaginou que estivesse com problemas nos tímpanos, e que por este motivo nada pudesse ouvir, pensou em sair correndo no sentido inverso ao que ia para escapar daquela tragédia, para sua surpresa os prédios que estavam do outro lado caiam da mesma maneira.

       Tudo caiu completamente, até o chão que ia debaixo de seus pés, então Richard, sem tempo para pensar caiu num abismo profundo, tão profundo que segundo as estimativas levou cerca de 12 horas para chegar ao final, que correspondia à uma belíssima piscina, em forma de estrela e com água de temperatura bastante fresca, principalmente após uma queda aterradora destas.

-             Que desespero que sinto, meu coração se confrange em sentimentos confusos, coisas que n~`ào posso entender, estava caminhando tranquilamente sem muito reclamar e repentinamente a cidade desaba diante de meus pés e caio neste prolongado abismo, quase que sem fim, mas pelos Deuses, onde o drestino pôde audaciosamente me levar desta vez?

-             Não me digas que não desconfia? – DFisse um senhor que, descansava numa belíssima cadeira de verão, destas de praia, constituida de miríades de canudinhos verde claro, sim, um verde limão.

-             Quêm é o senhor?  - Disse Richard embasbacado, tendo medo de suas próprias desconfianças. – Acaso é o senhor um padre?

      Entrelinhas, é necessário que façamos neste momento alguns comentários à parte, pois aquele homem a que Richard se dirigia não era exatamente um padre assim como ele ingenuamente proferiu, mas tinha lá seu ar de espirituosidade, já fazia algum tempo, sim, um bom tempo que perambulava por aquelas bandas, lá no centro do mundo haviam muitas vantagens com relação à vida na cidade, e ele por certo há muito desfrutava destas vantágens, há cerca de trezentos anos para ser mais preciso. Mas, para infortúnio de Richard não era ele um padre senão um compatriota de Mefisto. Que olhou para Richard com tanta malícia, que este percebeu enganar-se no que disse, volvendo a dizer com bastante cautela:

-             Se não é um padre será o senhor o demônio? Que vive neste inferno? Aliás, como todo o respeito, isto parece mais um clube campestre que aquilo que prega a igrejá, é, esta piscina mesmo é de temperatura revigorante, vejo mais ao longe uma gente pitoresca e diferente dos humanos jogando golfe, outros alí com a bocha, mais uns... Quê poderão ser aqueles senão magos, com aqueles chapéis gigantescos e cabelos e barbas brancos e longuíssimos, sim ao que me parece jogam uns baralhos. E o senhor nesta cadeira: Quêm é?

-             Digamos que sou um amigo, ou que há muito te conheco...

-             Não me conhece.... Efetivamente, posso assegurar-lhe que não me lembro de sua feição, esses olhos tão maliciosos, perdão tão ambiciosos retifico, por certo a ambiç~```ao considero que é uma característica que todo ser humano bem sucedido deve ter, sabe? Sim, pois estou dizendo: ambição nos negócios, dinheiro, até na paz e bem aventurança é necessária a ambição. Mas estes teus sobrolhos me parecem relativamente sombrios. Não gosta deste clube?

-             Gosto tanto que vivo por aqui, é, aqui há muita gente, tanta gente que posso supor que os daqui superam em muitos a população total terrestre, e gostam, assim como eu de vaguear por aqui, há muito o que fazer, diversões das mais interessantes, todos os prazeres e deleites pode encontrar aqui.

-             É, lá para cima não venho encontrando tantos motivos para vangloriar-me numa suprema alegria, mas sabe, venho pensando ultimamente que os mais simples momentos são às vezes aqueles que corresponde ao viver pleno e completo. A alegria, até a alegria se transformou num bem de consumo, vende-se sorriso. Venho refletindo, é verdade que mais reclamo da vida que reflito, mas por certo há escassos momentos de sobriedade em minha vida, nestes momentos penso que é mais certo a tristeza sincera que uma alegria supérflua. Devemos ser sérios com todos os sentimentos humanos, há todos os tipos de sentimentos, que devem ser vivenciados de maneira sincera, se é seriedade assim será, se é alegria exacerbada assim será, se é medo assim será. E, para todos os sentimentos haverão características que os guiarão, que são coragem, criatividade, vontade e por fim que a união destas com todos os sentimentos formem aquilo que se chama vida. – Assim disse Richard num ímpeto dialético que lhe deixou de tal forma empolgado que se esqueceu inteiramente de seu interlocutor, que à esta altura franzia a testa e quase caia da cadeira de tão nervoso, o suor escorria pelos poros, e quase não se aguentava.

-             Calma amigo! – Gritou o compatrióta Mephistólico, cujo nome era Hércules – Calma, não são necessários tantos devaneios para descobrir-se sentido à vida, somente poucas palavras, e há vezes que as palavras são recursos inócuos na busca das vivências mundanas, ainda mais das espirituais. Portanto chega de palavras e vamos às vivencias. Venha conhecer meu pequeno clube: haverão por certo locais agradabilíssimos, jogos que serão de teu interesse, pois já te conheço a aura por inteira, não podes fugir às tuas próprias fraquezas

      Hércules levantou-se com ares de elegância da cadeira, trajava um smoking de cor incerta pois conforme se via de angulos diferentes mostrava-se de tons vinho, preto e até um laranja escuro, o que lhe conferia um ar além de grande seriedade, de palhaço ou polichine-lo, não se aguentando quando notou tal peculiaridade Richard pôs-se a rir despreocupadamente, o que não agradou em nada à Hércules que cerrou os cenhos, mas espertamente após breve momento fingiu não dar importância e pôs-se a sorrir calorosamente enquanto mostrava o clube à Richard em toda a sua completude: com quadras poliesportivas, campos de futebol, espaços para baralho e jogos de salão em geral, alguns bares onde beberrõers tomavam ums e outras enquanto conversavam sobre futilidades diversas ou teorizavam muitos assuntos. Subitamente hércules apontou uns prédios e disse:

-             Aqui, meu amigo Richard são os edifícios que constituem as acomodaç~`òes mais amplas e confortáveis das redondezas, como pode notar os prédios são de pedras extraídas das pirâmides de Quéops no Egito. Como é? Não sabia? É justamente o que se passa por estas bandas... Como aqui as criações inteiramente novas são dificultadas por extrema falta de ectoplasma o que nos resta, injuriosamente, é plasmar o que já está no plano terreno e restituir à nossa maneira peculiar, ao nosso gosto tudo o que lá é construido. Verás, meu caridoso e inteligente amigo, que nosso bom gosto é por aqui muito mais proveitoso, pois este hotel possui todas as comodidades de um moderno e atual hotel, e contruido com as mais antigas e clássicas edificações da superfície. Como? Não Concorda? Por favor... O senhor há de convir que estas coisas são de extremo bom gosto, estes corredores que vê possuem quadros de épocas áureas da história humana, os pisos estão revestidos de tapeçarias das mais requintadas, as paredes com quadros dos mais caros e belos. Há então é isto? São os nossos clientes, estão apenas usufruindo. O barulho lhe incomoda? É que eles são à vezes ignorantes e se deixam levar pelos instintos mais levianos, com exacerbada displiscência, é... Neste aspecto devo concordar com o senhor... Outros nem fecham a porta...

-             Não. – Disse Richard indignado, enquanto o outro punha uns óculos escuros e apresentava cômodo por cômodo, enquanto ruídos diversos entravam pelo corredor afora, alguns eram passiveis de interpretação racional como duas pessoas ou mais conversando, outros eram ruidos amorosos, mas uns pareciam escandalosos como gentes profetizando, grunhindo, gritando, em cada cômodo que se passava percebia-se variedade incomensurável de tipos de sons, palavras, frases. Noutras ocasiões percebiam-se idiomas ininteligíveis, cantos belos, cantos feios. – Não consigo entenmder, quê tipo de gente é esta que frequentam o seu clube? Parecem desgovernados! Isto é definitivamente inaceitável, pois noto que o senhor, deculpe, mas o seu nome? Sim, como dizia: Noto que o senhor Hércules me parece tão comedido, tão inteligente, sábio e talvez precavido, mas é sem sentido ver o tipo de seres que frequentam teu clube, como pode isto?

-             Há, meu amigo? Não apreciaste este tipo de gente? É verdade, pois eu, até eu, às vezes penso estar perambulando no meio de uns loucos varridos. Gente que se diverte com pouco, que se satisfaz com os prazeres presentes, não pensa no amanhã. Mas essa é justamente a gente da sua laia: a gente humana, essa coisa que se coloca aí fora de sentido e sem nexo. Quê é isto: a humanidade? É por isto que caem por aqui pencas e pencas destas frutas, a maioria nem chega a amadurecer e vêm aqui ter comigo, no meu clube, por aqui se divertem e se matam de rir. Se matam foi boa, foi muito boa pois há muito estão mortos, mortos em seus próprios prazeres. – Hércules por um momento vacilou o passo e olhou Richard nos olhos, seu olhar não era benévolo, e resguardava até um ar de maldade e incredulidade, e foi neste momento que empurrou uma das portas do corredor que se encontrava semi-aberta, depararam-se com uma cena patética e impressionante, pois do outro lado um homem de aparência doentia, com uns olhos esbugalhados de tão abertos contemplava tesouros dos mais diversos: moedas, pedras preciosos, candelabros de prata. – Veja este aí, coitado, sofre de cobiça, levou toda uma vida para não conseguir perceber que a única coisa que pode dar respaldo ao coração humano é o amor entre as pessoas e não pelos objetos inanimados.

       Logo fechou a porta e prosseguiram a caminhada, no entanto Richard estava muito triste agora, pois desconfiava vivamente de que não estava num clube mas sim em qualquer outro lugar, será que estava num hospício? Não, aquilo não podia ser pois não existiam mais hospícios desta feita, muito menos tantos quilômetros abaixo da terra.  Seu rosto começou a transparecer um nervosismo fora do comun, o que foi percebido prontamente por seu companheiro Hércules um discípulo de Mephisto, que destas coisas muito entendia, e vibrava quando alguém começava a perceber donde se encontrava sem que ele precisasse providenciar elucidações precisas.

-             Por certo, meu amigo, noto em sua feição que se encontra cada vez mais a par de sua realidade.

-             Minha realidade? Como assim? Que quer dizer o senhor com isto?

-             Não sabes exatamente quê representa meu clube? Ou serás ingênuo a tal ponto a ignorar isto?

-             Claro, claro que sei. – Disse Richard assustando-se com as conjecturas de Hércules, que a cada palavra que falava mais esboçava um intrigante sorriso. – Sim, claro que sei, pois vim intencionamente para cá, sim intensionalmente.

-             Oh! Como me comove amigo meu, suas frases são tão verdadeiras que me daria a liberdade de criar um poema em torno delas, ou uma música, sim uma música em homenagem à intensão humana, homenagem ao livre arbítrio à expansão do pensamento e aos livres passos que exerce diariamente a humanidade. Mas que será a liberdade? Vós que julgais caminhar a donde bem entendem, vós que sois os culpados dos próprios erros. Há Há – Riu desembaraçosamente Hércules, enquanto pensava sobre a ingenuidade do outro querendo enganar-lhe.

-             Está bem, é fato que talvez não tenha sido tão intencionalmente assim.

-             Quer dizer então que na tua vida foi obrigado a fazer tudo o que fez? Isto absolutamente não me convence.

-             Não, vivi com espontaneidade!

-             Quer dizer – Conduiu Hércules maliciosamente. – que errou com espontaneidade.

-             Não Hércules, creio que o senhor esteja errado, pois o erro é parte da liberdade humana, do contrário não seríamos livres, mas sim fantoches de Deus, no entanto, a partir do momento em que Ele nos criou em espíritos nos dotou de liberdade. O erro é parte importante na construção do drama humano, sem drama não há vida, não há dor, nem sofrimento, nem lágrima que são as coisas que fazem a alma humana enlevar-se em si mesma.

      Por momentos não sabia-se o que ocorria com Hércules, pois deu-se lugar à um misterioso e m,ágico silêncio, noutro momento Hércules pareceu balbuciar algumas frazes, tão baixas que a quem colocasse os ouvidos em sua boca pouco ouviria, no entanto suporia que conduia ao que havia dito o novo integrante de seu clube.

      -      Ora estas, tú me vens à este lugar, conforme minhas teorias por tua própria vontade, pois quem decidiste tua vida fora ninguém mais que sua própria pessoa, e me dizes que o erro é parte de um acerto mais abrangente... Queres fazer ruir minhas teses... Talvez tenha eu vacilado por momento ou outro, mas deixa disto, meu amigo, vamos conhecer os outros andares, e se possível te mostro um elevador que tenho lá por cima, no último andar, lá as vantagens virão para ti e para min. Sim vantagens recíprocas, pois noto que caiste em lugar errado, que seleção péssima fui eu fazer... Como?Não entendeste? Nada não, apenas aprecie estas instalações, alí no elevador há uns botões, aperta logo o último que há outra parte do hotel mas conveniente, e não vêm mais ter comigo que estarei muito ocupado cuidando de manter este hotel, que como vês representa a própria pérfida e denegrida consciência humana. Se podes descer? Há, quanto a isto definitivamente não, vai ter com os teus que tua sinceridafde será por lá mais profícua, aquí há tanta lassidão, tanta pobreza de espírito, amarguras e distorções que só provocam momentos incertos de felicidade. Quê é ao certo a feliceidade? Como poderemos nós aqui de baixo à isto responder? É fugidia a nós a felicidade perene, com isto ficamos apenas com um reflexo dela parcial e imperfeito, esta foi nossa sina por viver tão descompromissadamente.

      aSSIM, APÓS DE MANEIRA RÁPIDA SUBIREM MUITAS ESCADARIAS CHEGARAM À CERTA ALTURA DAQUELE SUNTUOSO EDIFÍCIO QUE HAVIA UM PEQUeno vestíbulo com o espaço pouco donde cabia somente a porta de um elevador, que curiosamente não era funcional para o prédio em si, mas somente para subir além do último andar do prédio, e para a surpresa de Richard, lá dentro havia um homem cisudo, nariz adunco que disse que há muito lhe esperava naquele local, dizia ser um emissario celeste, um anjo guardião, o felicitara por sabiamente haver chegado àquele local, Hércules evitou previcadamente seu olhar, de tão moralista e correto que era, e empurrou Richard educadamente para dentro do elevador, dizendo que tanto uma parte quanto a outras ficariam com boas vantagens neste procedimento: - Que vá! Que vá! Boa seja a tua sorte, não venha nos atazanar que estamos bem! Va lá! Va lá! – O guardião celeste aproveitou a deixa para dizer: - Esperamos ainda a tua decisão, no dia em que quiserdes hipotecar, vender, alugar este teu estabelecimento estaremos lá por cima à tua disposição. – Por breve momento Hércules pareceru hesitar em entrar no elevador, mas logo convencveu-se a si mesmo que o mais vantajoso a si seria ficar com suas ilusões, desceu outra escada aos tropeços enquanto o elevador subia vertiginosamente às osanas nas alturas.

16 - O homem que decidiu olhar à sua estante de livros

 

Décimo sexto conto: O homem que decidiu olhar à sua estante de livros:

 

     Em meio às brumas, à obscuridade um espírito perturbado recalcitra à respeito de suas questões mais profundas, andando vertiginosamente de um lado à outro, braços atrás do corpo com as mão unidas em atitude preocupada, o cenho franzido provocando comissuras horizontais em sua testa. Era alto da noite, não obstante, para a mente deste senhor não havia transcurso linear do tempo, estava efetivamente perdido em devaneios ora de característica letárgica deixando-o leve e sutil como em uma valsa, ora enfáticos e veementes, no entanto sempre incautos. Julgava este senhor cujo nome é Ânrer, que até as lembranças pareciam lhe assolar de tal modo, que de tão precisas que eram, havia extraordinária vivacidade nelas, acreditando piamente por isto que ao permearem sua mente criavam-se a si mesmas, andavam por onde bem quisessem, estavam alí em sua mente, ainda que não fossem dele tamanha era a desenvoltura e liberdade de suas próprias lembranças. Seu rosto assumia diferentes feições, ora de serenidade e leveza, ora pesaroso e triste baixava a cabeça ao solo e caminhava mais uma pouco.

      A sala era bem decorada, no entanto tudo obumbrado pela noite impenetrável pelas pupilas, um sofá de couro escuro de disposava numa das paredes diante de magnífico quadro com paisagem campestre verdadeiramente monótona em cores, na mesa volumes de clássicos dispostos em três montes, um jornal semi-aberto ao centro da mesa e muitas folhas de papel em branco ao lado da mesa de mogno.

      Minha mente percrusta campos incompreensíveis. Não entendo que é a memória: se é um passado consumado ou uma vivência diferente daquilo que já há muito se foi. É notável minha emotividade com coisas que há muito já se desvaneceram. Ó lembranças da minha vida, como são profícuas, ainda que sejam solenemente tristes, são o vínculo que me faz social! Águas passadas dum oceano, que evaporam-se no ar da minha consciência, logo caindo como chuva no brilho dos meus olhos, esta escuridão muito me agrada, tranquilisa e faz com que recorde com mais intensidade daqueles a quem estimo.

     De fato o amor corresponde ao sentimento mais nobre que se possa imaginar, nós devemos nutrir cada momento com o êxtase da novidade, a beleza de assustar-se constantemente com o mundo é a procedência do bem viver,  as parcas noções do destino se desvanecem diante do encontro do amor fraternal, não há preocupações que possam coexistir com preocupações mesquinhas, pragmáticas, fúteis, supérfluas e inúteis. A alma anseia por sondar sendas tão mais profundas quanto é o local mais profundo que se possa imaginar deste planeta, ali onde correm as seivas salutares e incandescentes do espírito Gaia, sim é isto, no meu sangue corre minha própria alma, é por isto que quando me recordo bate mais forte meu coração, claro! Como não havia de imaginar à isto?

      As lembranças mais longínquas tornam-se vivas como o momento em que por elas estava passando. Existe algo aqui! Isto eu sinto não de maneira ingênua e infantil, mas utilizando minha lógica, os parâmetros racionais de que a vida me dotou, há mistérios do consciente mais profundo do homem difíceis de se atingir, mas logo, quando atingimos um triste êxtase se subleva ao coração, trazendo tudo o que até então era pecaminosamente oprimido pela mentira, falsidade e vã vivência à margem do entendimento num ímpeto quase que explosivo. São os insights que chegam à min como se nunca tivessem feito parte de min, quando na verdade eles são eu, a pequenez de minhas possibilidades, de fato, não me permitiram chegar ao entendimento de minha consciência em toda sua completude. É um terror, é sim, como é que esta sociedade se satisfaz com suas vidas mesquinhas? Como podem ser tão inúteis? Ignorantes seres, que com suas bestialidades se preocupam todos os dias, é pois mais fácil viver de prazeres fáceis e descartáveis que sofrer bastante antes de cair diante de si mesmo e dizer: - Ó vida, agora te compreendo! Agora melhor te entendo! Vejo que fala-me pelo caminho mais árduo...

      Ânrer ficara em certo ponto de sua solitária discussão com sua consciência estático, olhando à obscuridade, certo ângulo daquele escritorio, donde se encontrava estante de livros, por momentos pensou visualizar um compêndio sobre a natureza humana, de capa vermelho viva, que lera já a algum tempo. Talvez tivesse sido um lapso de imaginação d sua consciência tal era o alcance da escuridão, que se infundia naquele local como um mar de mistérios imaginosos. Seus olhos estavam estáticos, e mais abertos do que fica em geral os olhos de uma pessoa de sã consciência, seus braços cairam ao lado do corpo como que perturbado per pensamentos perdidos, seus labios pareceram balbuciar algo, disse que pareceram pois não foi possivel divisar os labios e parte duma estátua de prata que se prostrava por trás de sua silhueta. Estava embasbacado, com postura pasma e idiota, no entanto os olhos prosseguiam fitando as névoas obumbradas da noite, nào sabia neste momento se via com os olhos ou com a imaginação pois à medida em que sua imaginação ganhava força seus ímpetos de loucura pareciam tomar maior sentido, e suas lembranças saltavam de sua mente como espectros evanescentes de formas semi-ocultas no mar de nada que é a escuridão, não obstante isto que acabamos de definir como mar de nada tornou-se colorido, colorido e rico, tão rico na fértil e emotiva imaginação de ânrer que logo ele estava transportado à sua consciência, e via tudo o que imaginava como realíssimo, infindáveis pontinhos coloridos pareciam querer jogar com ele, seus olhos chegaram a arder, pois não piscava, de tal forma permaneceu nesta postura que uma lágrima por sua face triste e velha resvalou, como um rio de cristalina água perpassa uma noite gélida  de desconhecida floresta. Através da finestra entrava de forma mística uma luz de lua tão forte quanto a loucura de Ânrer.

      Neste preciso momento nada pensava senão em paisagens desconhecidas, através de raciocinio lento e irracional, de modo que poderiam fundir-se em uma só idéias antagonistas, os conceitos não mais eram importantes, mas sim a percepção empirica daquela letargia louca, a pouca visão que tinha da sala desfragmentava-se, dividindo-se em ondas de cores que ora vinham ora iam, seu corpo estava fraco, muito fraco, tinha uma verdadeira ância de vômito, eis justo o que perpassava em sua mente alucinante e corajosa:

       O bem e o mal, forças contrárias, não, devem ser sim parte de um todo, pois tudo o que existe há de fazer parte dum contexto integral, é isto, tanto  o fogo do sol como a água da terra se fundem em forma de chuva, e caem ao homem, para dizer que fogo e água são um só. Tanto o ar que respiramos como a terra de onde Deus nos tirou são a mesma coisa, pois logo quando respiramos unimos ar e terra. É assim que quando a chuva, trazendo sua mensagem cai no homem sedento de luz, vida, glória e paz fundem-se os quatro elementos do mundo: terra, ar, fogo e água. Homem, ar, sol e água. Este é o homem respirando na chuva, por certo segundo minhas conclusões a única realidade existente, a metafísica do Mundo, só resta saber a metafísica de Deus, mas à quem compete esta descoberta? De quem é esta tormentosa responsabilidade? Hei de descobrir...

      Os pensamentos peregrinavam como grilos saltitantes, enquanto estranha tontura permeava a realidade visual de nosso personagem, no entanto estava tão petrificado dentro de seu próprio espírito, que à esta altura as percepções empíricas não lhe tinham mais quaisquer importâncias, poderia até cair num abismo que não notaria diferença, pois à ele o espírito do questionamento era a única coisa existente, existia dentro de si, e nada mais era interessante, não sendo interessante era inexistente aquilo que o circundava, assim que mergulhou mais fundo, audaciosamente, tinha receio, não! Não era receio, senão um medo desconhecido, provindo de seu exterior, pois ele não tinha medo, jamais teria, pois a vida lhe era bela e ele a aproveitava, na verdade ocorria que tais foram as proporções de seus pensamentos que logo imaginou estar bem, e isto somente lhe bastava, suas pernas estavam doídas, pois não há qualquer pessoa que possa sugerir quanto tempo, ao certo ficara naquela postura, a tentar olhar seu compêndio sobre a vida, que estava não na estante de livros, mas dentro de si mesmo.

15 - Para cada casca um novo conto

 

Décimo quinto conto:  Para cada casca um novo conto

 

      Frederico caminhava com um olhar turvo, não estava onde parecia estar, sua mente perpassava por lugares distantes enquanto prosseguia com passos incertos pela noite turva e funâmbula. Uma sensação de pavor apoderou-se dele quando um assaltante tentou esfaqueá-lo pegando-o totalmente desprevenido, no entanto foi em vão, pois apenas o feriu levemente. Não teve receio e jogando sua carteira ao sujeito saiu de seu poderio.

      Não ficou inflamado com a ocasião, tudo o que à ele pudesse fazer um mal aparente momentaneamente não lhe influenciava à longo prazo, mesmo que ficasse momentaneamente abatido. Fato é que mesmo que por um momento ficou espavorido, e isto abateu-lhe os pensamentos, já que tinha recordações familiares, há algum tempo pensava em seus pais e irmão, dando razão à todos quando diziam que suas aulas de economia deveriam ser adiados para que fizesse um estágio na Alemanha, com o colega bastante próximo que mantinha relações comerciais com um de seus primos. Era mês de maio, mês em que Frederico ficava atulhado de deveres, tanto no serviço quanto na empresa.

      É certo que o assalto repentino fez com que esquecesse estes pensamentos e se desse conta que estava num escuro beco. Ora essas! Como havia ele caminhado à tal lugar, tão assombroso quanto repelente? Na tentativa de encontrar uma saída que análoga à que tivesse tomado o sujeito violento pulou uma pequena amurada, numa semi-obscuridade e saiu numa outra rua, tão escura e estreita quanto aquele outro lugar. Estaria salvo? Quê poderia fazer?

      Ó sensação estranha de insegurança. Quê desalento o imprevisto! Quê pérfida surpresa! Blasfemou contra a própria sorte com injúrias das mais diversas, quê trouxera o destino, à ele, que mesmo sem esperar tal derrocada teve de engolir este fel. Um opróbrio que Frederico teve de passar, pois quem caminha a passos incertos está sujeito às novidades: sejam elas benfazejas ou desnecessárias. Sendo novidades estão sendo e devem ser vivenciadas, pois tudo o que é deve ser transposto e vivenciado, o que não é não pode ser vivido.

      Um fato que me deixou relativamente surpreso é que Frederico ficou menos preocupado com o ferimento, que sangrava abundantemente, que com o desvio de seus pensamentos, por isto, fez esforços no sentido de retornar à sua linha de pensamentos anterior, com empresas, estudos, relações familiares e investimentos.

      De maneira imprevista o chão sob seus pés desabou, desfragmentando-se como argila que se quebra, dentre as rachaduras produzidas surgiam brilhos dos mais variados matizes, caiu num fosso tão luminoso que acreditou estar louco, espavoriu-se, no entanto ao seu lado estava o mesmo ladrão que minutos antes havia lhe assaltado, tão assustado quanto ele.

      Caíram os dois juntos gritando desesperadamente, não se sabe se por medo ou falta de que dialogar. O fim desta drástica queda era todavia mais estranho, pois tudo finalizava numa cama elástica, que absorveu o impacto de maneira eficaz e patética ao mesmo tempo, já que a cada salto tentavam inutilmente se acomodar à uma nova situação, não esperando que a falta de técnica fosse preponderante para um bom controle de movimento. Após a estapafúrdia chegada à um novo ambiente os dois apresentaram-se de maneira extremamente inócua, nem mesmo eu esperaria uma atitude de tal envergadura.

-             Boa noite, desculpe, mas meu nome é Tarcilio.

-             Claro, muito boa noite, sou Frederico, muito estranho este buraco em que caímos, ao menos até ontem não me havia dado conta de sua existência. – Disse formalmente enquanto levantava-se pateticamente com uma mão no abdômen segurando a ferida e a outra apoiando na cama elástica.

-             Efetivamente meu caro, nem mesmo eu que toda noite ando por estas bandas assaltando os palhaços que ousam se aventurar de maneira anormal vagando pela noite de maneira absurdamente inútil, não me interprete mal por favor, mesmo que você faça parte deste grupo... A verdade no entanto é que nem mesmo eu pudera tomar conhecimento deste precipício, talvez seja coisa da prefeitura... sabe como é que é... ficam sempre dizendo que concertam os buracos das ruas mas na verdade acabam por fazer mais ainda. Quê petulância... – Dizia o ladrão com escárnio no olhar, falar sobre política pareceu trazer-lhe amargas recordações amargas e inconvenientes. – Uma falta de respeito devidamente.

-             Veja bem meu comparsa, desculpa, mas me vejo obrigado a chamar de comparsa porque nos deparamos na mesma situação inesperada, mas não julgo que isto possa ser resultado de qualquer erro da prefeitura, mais seria uma coisa de circo, com tantas luzes e mais este trampolim acrobático mais provável seria condizente que um circo estivesse sendo implantado no metrô.

-             É, sou obrigado a admitir que suas ponderações são bastante lógicas, não obstante, tendo em mente que sou um sujeito ignorante, deseducado e absolutamente extremista seria notável conduirmos que não sou muito capaz de ponderações complexas como pensar em circos subterrâneos, ainda mais que isto seria algo tão novo em minhas percepções de realidade que não poderia admitir tal circunstância.

-             Vejo, Tarcilio que mesmo a pesar de sua absoluta ignorância, você têm um tom deveras cordial, quê poderia explicar isto?

-             A única coisa que vejo capaz de explicar tal façanha retórica da minha parte é a idéia de que poderíamos não ser pessoas vivas de verdade, com direito de liberdade, e com a capacidade criativa, mas sim ser personagens de um conto, e alguém pudesse estar manipulando nosso linguajar. De modo que este alguém seria o escritor.

-             Quê genial, veja que há o fato de que se tuas idéias porventura se assemelhando com as minhas dariam motivos a desconfiarmos haver uma mente pensante e não duas, assim diríamos que o inconsciente coletivo seria o manipulador dos fantoches do mundo.

-             Há – Gritou Tarcílio, como descobrindo um segredo ultrasecreto. – Então eu não sou um ladrão, sou apenas uma parte necessária ao teatro da vida, pois sem os seres malévolos e perversos não haveria trama.

-             É também bastante racional admitir esta conclusão, mesmo que com ela tenhamos que incluir o fato de que o mal é parte necessária na vida, pois a vida é um “script” e deve inserir todos os tipos de elementos possíveis em sua constituição.

-             Desculpa por ter te ferido.

-             Não foi nada... – Disse Frederico, tentando disfarçar uma dor, que neste momento se tornara aguda.

-             Eu sei... É que de repente pode até ter sido um pouco desagradável a facada, na verdade eu queria te matar para pegar todo o dinheiro, mas pegou só de raspão, aí você me jogou a carteira e eu fiquei satisfeito. Mas o fato é que o mal é aparente, pois sem isto não haveria trama.

-             E o escritor?

-             Quê escritor? – Retornou o bandido.

-             Ora estas, o que nos escreve.

-             Simplesmente é ele quem faz a trama.

-             E acha que a ele interessam os acontecimentos específicos da trama, quando na verdade sabe o fim último? – Perguntou Frederico ao ladrão com um dos sobrolhos levantado, num ar de investigação.

-             Será que ele sabe o final?

-             É... – Conduiu quase aterrorizado com o pensamento incerto Frederico. – Talvez nem ele saiba o final desta estória, mas sabe você que todo escritor que se dê ao luxo de escrever algo prestável deve ao menos fazer um breve esboço antecedente dos acontecimentos principais...

-             Isto é, mais ainda há um perigo: se acaso lapsos de uma criatividade inesperada e forte invadires a produção literária estamos sujeitos à um futuro tão incerto quanto o do conto escrito, pois por mais lastimável que possa parecer nós somos o próprio conto.

-             Isto, meu senhor, me parece mais cruel que a própria facada. No entanto algo que me assusta ainda mais que uma possível criatividade incontrolável seria o fato de que nós não seriamos reais se fôssemos um conto.

-             Não somos nós, somos ele. – Concluiu perversamente o perverso ladrão. – Mas esta filosofia devaneante, mesmo que seja interessante, profunda deve-nos trazer algo de útil ao pragmatismo mundano, quê dizer disto?

-             Olha aqui Tarcilio – Falou veementemente Frederico, gesticulando com as mãos conforme falava. – Um fato que podemos concluir com o desenvolvimento de uma dialética filosófica, é que no mínimo, no decorrer de novas descobertas devemos mudar nossas atitudes perante a vida. Você poderia descobrir a inutilidade de suas ações, já que quem age não é propriamente você, mas sim o autor através de você, eu ainda proponho uma revolta contra isto.

-             Em troca de quê? De uma liberdade impossível?

-             Não! Veja que se você fizer exatamente o que está fora de sua essência não irá agradar o escritor, pois fará com que a história saia de seus eixos originais. Não seria isto uma espécie de liberdade? E quê pode ser mais pragmático que a conquista do próprio “eu”?

-             É, hei de convir, que novamente suas ponderações fazem emergir em meu espírito um novo pensar, com isto um novo agir: Estou decidido: a partir de agora não serei mais um pervertido, mas sim um homem de boas intenções, ajudarei a todos que se sintam oprimidos, pois é esta a última coisa que possa imaginar o escritor.

-             Sim! Faça isto, e terá ao menos uma liberdade aparente. – Falou emotivamente Frederico.

-             Não pode ser... – Questionou como se deparando com outro problema o antigo ladrão direcionando um olhar terrificante ao famigerado filósofo e estudante de economia.

-             Quê?

-             Não pode ser!

-             O quê não pode ser?

-             Se eu, por ter sido mal, devo me tornar bom para contrariar o autor tu que eras bom deverás tornar-te mal pelo mesmo motivo...

-             Bem, neste caso sou obrigado a concluir que tudo estaria como antes, pois haveria o mesmo equilíbrio entre o bem e o mal, concluiríamos também que o que importa não é quem interpreta, mas sim o personagem interpretado, aliás: nós que interpretamos não somos nem uma coisa nem outra, mas sim uma linha em branco que pode nos dar características peculiares.

-             Não pode ser... – Disse Tarcílio colocando as dias mãos no rosto já quase se esbaldando em lágrimas abundantes numa efusiva convulsão espiritual. – Isto quer dizer que somos apenas linhas em branco sem características que nos distinguam uns dos outros.

-             Eu diria ainda que não somente somos linhas em branco como não somos, quem têm a vantagem de poder ser alguma coisa é apenas o bendito escritor. Se por um acaso resolver eu escrever um conto o conto não será absolutamente vivo, mas sim eu, então se acaso este próprio escritor estiver sendo escrito e não for uma realidade? – Disse num surto espontâneo de inteligência não de Frederico mas minha.

-             Neste caso seriamos a história da história e recairíamos numa filosofia existencial da cebola. – Concluiu metaforicamente não o antigo ladrão, mas eu mesmo que sou o próprio autor, e que convenientemente e medonhamente desconfio, assim como o leitor, que haja qualquer outro autor que esteja delineando minhas vivências e as transformando num conto.

-             Exatamente. Viva a cebola! Estamos perdidos num vasto mundo de infinitas repetições. O que estamos fazendo é descascar esta cebola ao menos para conhecer algumas possíveis partes dela. – Disse eu, já que isto é um monólogo e não uma conversa à dois, o fato é que como o processo do desenvolvimento de raciocínios lógicos se dá através de antagonismos fui obrigado a inserir ao menos dois personagens nesta história, podendo ainda considerar eu mesmo como meu próprio personagem, que é invisível no campo dos sentidos aos outros dois, pertinentemente não sou invisível no campo da lógica.

      Assim está posta a filosofia da cebola como uma coisa bastante simples, mas que têm por certo não somente um fundo metafísico e uma discussão bastante interessante à respeito da vida, com uma aplicabilidade às verdades práticas e vivências do mundo, não os asseguro que vocês leitores não estejam neste momento sendo lidos por outros como um conto, e que estes outros estejam sendo lidos por outros ainda. Numa sucessão que seja tão apraziva quanto seja a vontade daquele que pensa. Aliás meus olhos já estão ardendo de tanto descascar cebola, devo agora deixa-la para entrar com os tomates.

34 - Pássaros de luz

  trigésimo quarto - Pássaro de luz Vida vida corre vida, corre para lá corre para cá e se esvai, se esvai. Engrandece cresce. O pássaro d...