Vigésimo conto: Quê faz o amor?
Seus
lábios são tão belos quando fremiam, que ela parecia por breves momentos estar
num outro mundo, num passado ou num ambiente da imaginação. De fato, notavam-se
peculiaridades como estas nela. Maria não se incomodava com qualquer coisa,
pois era uma pessoa de bem com a vida, seu pequenos olhos, posicionados
bastante próximos um do outro pareciam atuar junto com uma coloração azul
claro, o que lhe dava um ar de sutileza e meiguice fora do ordinário.
Uma
beleza de tal envergadura que deixava atônito aqueles que a viam a primeira
vez, e a segunda, e a terceira e assim por diante, numa cadência sucessiva e
provavelmente infindável. Maria era tão sutil que sobrepujava em sutilezas à
luz esplendorosa do sol, quando transpassava as folhas de frondosas árvores
formando luminosidade quase que mística quando em contato com as brumas da
floresta. Ora, não é a todo momento que se depara com uma mulher verdadeiramente
deslumbrante como esta, sim, não, não julguem vocês que estou falando sob a
ação da hipnótica poção do amor, definitivamente não ! Meu critério é tão
cauteloso quanto verdadeiro! Tão sincero quanto contundente! Se julgarem acaso
que falo com minúcia, é que uma obra minuciosa pede descrição igual.
As
belezas deste mundo devem ser vistas com olhos não humanos, mas supra humanos,
aqueles que olham para Maria apenas com olhos de homem não a vêem por certo em
toda sua plenitude, sequer se dão conta de toda a sua grandiosidade, uns
olhinhos azuis tão meigos, que se contemplados verdadeiramente nos fazem cair
em lágrimas, num pranto divino, algo que somente os anjos celestes poderiam
explicar com maior clareza. Naquela ocasião entretanto tudo desmoronava repentinamente,
eu não sabia que fazer, pois não vira jamais aqueles lábios finos tremer
daquela maneira tão desoladora, sua boca pequena estava mostrando certa
amargura, e eu sentado num banco do jardim não sabia que fazer, já que mesmo
estando lá, diante dela,não a conhecia senão por muitos momentos de um amor ou
uma veneração contemplativa. Dela sabia tudo, ela porém nada sabia de min.
Com um
medo besta e estúpido atravanquei minha meu corpo que mais parecia uma carcaça
de boi jogada ao campo, num gélido temor senti a mácula de minha vergonha.
Tanto hesitei que ao tentar andar dei um paço em falso, e acabei por tropeçar
pateticamente em minha própria perna, caindo quase no colo de Maria, fiz, pelo
que notei, com que ela se olvidasse do que sentia, pois naquele mesmo momento
parou de chorar a ver que tipo de ocorrência, ou que louco era aquele.
-
Desculpe, acho que caí Maria. Errr. Nem me apresentei, meu nome é
Frederico José Antônien Silveira, geralmente não costumo ser tão desajeitado ou
descuidado, no entanto quando andava por aqui ocorreu-me de contemplar parte
daquele lago ali na frente e inesperadamente tropecei naquela pomba que ali
está, como a senhorita Maria pode mesmo ver com seus próprios olhos, aquela
ali, não, a que está comendo umas migalhas de pão. Sim, se está demasiado longe
para que eu pudesse ter pisado nela é porque de tão aterrada deve ter voado
rapidamente para longe de min, pode inclusive a senhorita notar que nela há
algumas penas esvoaçantes, fato provocado seguramente pelas turbulências de
minhas pisadas, mas não, não tenha de min impressões negativas, foi
absolutamente sem querer, não tive a intenção de causar quaisquer danos à ela.
-
Meu caro senhor... Qual o teu nome mesmo? A sim... Senhor Antônien,
vejo que passaste uns maus bocados com aquela pomba, que porventura come uns
alpistes tranqüilamente à no mínimo um quilômetro daqui, sim, se é isto que diz
o senhor não vejo motivos para contraria-lo. Absolutamente não! É bastante
plausível isto que me diz o senhor, com excessão do fato de que não consigo
enxergar as penas da pobre pomba dado à distância que ela se encontra de nós,
mas isto não vêm ao caso, sente-se direito a ver se te acertas, me parece que
estás excessivamente nervoso. Claro, claro, mas não custa nada sentar-se e
descansar um pouco. Pressa? Não, por favor, tenha a bondade, apenas
recomponha-se, aliás: Como sabe que me chamo Maria?
Pode ter sido algo desastroso, o modo
como conheci Maria, mas assim foi, em meio a desculpas desencabidas para
justificar um nervosismo desmensurado que travei um contato inicial. Foi de
grande proveito conhecer suas amarguras, pois assim pude atenuar seus
sofrimentos com conselhos que lia todos os dias sem falta numa interessante
revista semanal de curiosidades femininas, ela por certo nunca desconfiou das
fontes de meus sábios conselhos, ainda que eu tenha me utilizado desta
artimanha pouco incorreto do ponto de vista ético, na moral os conselhos foram
sempre bastante pertinentes.
Não obstante, este fato considerei uma
verdadeira futilidade quando comparado com a sensação que tinha quando me
aproximava de Maria, um sentimento agradável, terno. Sentia-me mais leve,
embalado de pensamentos esvoaçantes, ficava longe de min. Ela? Ela me conheceu,
e notou as minhas inequívocas intenções de uma aproximação mais próxima. Assim,
após pronúncias e conselhos dos mais diversos, pela afeição que criamos um pelo
outro não foi necessário muito para criarmos um... Um caso, sim um caso, não poderia
dizer ser aquilo exatamente um namoro, por uma característica de inconstância.
Por isto minha alma sofreu demasiado, ela não me desejava com o mesmo vigor,
claro, claro supostamente não me amava, julgava-me um tolo ou desconfiava dos
conselhos plagiados... Por muito tempo recalcitrei sobre esta penúria pela qual
passava, e quais poderiam ser exatamente os motivos causadores. Tanto pensei
que num diz cheguei à uma solução, através de uma suposição bastante lógica:
ela estaria agindo desta maneira tão desregrada por um desejo incutido no âmago
de sua consciência. Por certo era o próprio amor, o responsável pelas ações
incertas e duvidosas que provinham de sua parte. Meus caríssimos leitores: esta
genial conclusão me levou a crer que precisava tomar uma atitude o quanto
antes, que fizesse comprovar a hipótese, que convenhamos, é tão sábia quanto
perspicaz.
Num belo dia de sol, enquanto pássaros
alimentavam suas ninhadas com minhocas, e gaviões opulentos pairavam nos céus, estas aves
majestosas e silenciosas que voam no topo do mundo pareciam me dizer coisas.
Foi de supetão, após sete anos vivendo nesta modesta situação amorosa, aos
trancos e barrancos eu a pedi em casamento.
Não foi nada agradável ouvir da parte dela
uma resposta negativa, para meu espanto tudo havia acabado. Foi então que
contratei um detetive, que descobriu que quando Maria ia à sua casa entrava num
receptáculo semitransparente parecido à um globo de vidro ou cristal,
insinuou-me através de fotos que ela não era humana senão um ser distinto, que
ao entrar neste globo se dividia em centenas de Maria pequeninas, era lá que
passava toda a noite, melhor dizer: que passavam a noite, numa
semi-luminosidade azul translúcido. Miríades de Marias que pela manhã se uniam
novamente. Fiquei petrificado, e duvidei daquele detetive julgando-o um
farsante e fraudulento, que podia estar fazendo fotomontagens das mais
enigmáticas e fantásticas, duvidei até o momento em que vi com meus próprios
olhos.
O pai de Maria certo dia disse que ela
nunca poderia se casar comigo, neste dia me mostrou que em sua casa havia um
compartimento secreto que levava ao centro da terra, que era muito quente,
descemos pela portinhola e escorregamos por um longo tubo até o centro da
terra, onde miríades de seres pequeninos perambulavam por uma cidade toda, tudo
ao redor era avermelhado com pedras incandescentes. O pai de Maria se dividiu
em muitos, e eu fiquei parecendo um gigante. Após conhecer a inusitada cidade o
pior de tudo foi ter de subir tantos quilômetros para a superfície, onde com
bastante compreensão pude entender e atenuar meus laços afetivos com Maria. No
entanto esta estupenda novidade não foi causa de quaisquer infortúnios senão
motivo para o aumento de meus sentimentos mais nobres, pois ao invés de uma
Maria haviam centenas delas. Agora, somente agora eu entendo por quê o amor faz
multiplicar a fraternidade.
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