Thursday, October 31, 2024

20 - Quê faz o amor?

 

Vigésimo conto: Quê faz o amor?

 

      Seus lábios são tão belos quando fremiam, que ela parecia por breves momentos estar num outro mundo, num passado ou num ambiente da imaginação. De fato, notavam-se peculiaridades como estas nela. Maria não se incomodava com qualquer coisa, pois era uma pessoa de bem com a vida, seu pequenos olhos, posicionados bastante próximos um do outro pareciam atuar junto com uma coloração azul claro, o que lhe dava um ar de sutileza e meiguice fora do ordinário.

      Uma beleza de tal envergadura que deixava atônito aqueles que a viam a primeira vez, e a segunda, e a terceira e assim por diante, numa cadência sucessiva e provavelmente infindável. Maria era tão sutil que sobrepujava em sutilezas à luz esplendorosa do sol, quando transpassava as folhas de frondosas árvores formando luminosidade quase que mística quando em contato com as brumas da floresta. Ora, não é a todo momento que se depara com uma mulher verdadeiramente deslumbrante como esta, sim, não, não julguem vocês que estou falando sob a ação da hipnótica poção do amor, definitivamente não ! Meu critério é tão cauteloso quanto verdadeiro! Tão sincero quanto contundente! Se julgarem acaso que falo com minúcia, é que uma obra minuciosa pede descrição igual.

      As belezas deste mundo devem ser vistas com olhos não humanos, mas supra humanos, aqueles que olham para Maria apenas com olhos de homem não a vêem por certo em toda sua plenitude, sequer se dão conta de toda a sua grandiosidade, uns olhinhos azuis tão meigos, que se contemplados verdadeiramente nos fazem cair em lágrimas, num pranto divino, algo que somente os anjos celestes poderiam explicar com maior clareza. Naquela ocasião entretanto tudo desmoronava repentinamente, eu não sabia que fazer, pois não vira jamais aqueles lábios finos tremer daquela maneira tão desoladora, sua boca pequena estava mostrando certa amargura, e eu sentado num banco do jardim não sabia que fazer, já que mesmo estando lá, diante dela,não a conhecia senão por muitos momentos de um amor ou uma veneração contemplativa. Dela sabia tudo, ela porém nada sabia de min.

     Com um medo besta e estúpido atravanquei minha meu corpo que mais parecia uma carcaça de boi jogada ao campo, num gélido temor senti a mácula de minha vergonha. Tanto hesitei que ao tentar andar dei um paço em falso, e acabei por tropeçar pateticamente em minha própria perna, caindo quase no colo de Maria, fiz, pelo que notei, com que ela se olvidasse do que sentia, pois naquele mesmo momento parou de chorar a ver que tipo de ocorrência, ou que louco era aquele.

-             Desculpe, acho que caí Maria. Errr. Nem me apresentei, meu nome é Frederico José Antônien Silveira, geralmente não costumo ser tão desajeitado ou descuidado, no entanto quando andava por aqui ocorreu-me de contemplar parte daquele lago ali na frente e inesperadamente tropecei naquela pomba que ali está, como a senhorita Maria pode mesmo ver com seus próprios olhos, aquela ali, não, a que está comendo umas migalhas de pão. Sim, se está demasiado longe para que eu pudesse ter pisado nela é porque de tão aterrada deve ter voado rapidamente para longe de min, pode inclusive a senhorita notar que nela há algumas penas esvoaçantes, fato provocado seguramente pelas turbulências de minhas pisadas, mas não, não tenha de min impressões negativas, foi absolutamente sem querer, não tive a intenção de causar quaisquer danos à ela.

-             Meu caro senhor... Qual o teu nome mesmo? A sim... Senhor Antônien, vejo que passaste uns maus bocados com aquela pomba, que porventura come uns alpistes tranqüilamente à no mínimo um quilômetro daqui, sim, se é isto que diz o senhor não vejo motivos para contraria-lo. Absolutamente não! É bastante plausível isto que me diz o senhor, com excessão do fato de que não consigo enxergar as penas da pobre pomba dado à distância que ela se encontra de nós, mas isto não vêm ao caso, sente-se direito a ver se te acertas, me parece que estás excessivamente nervoso. Claro, claro, mas não custa nada sentar-se e descansar um pouco. Pressa? Não, por favor, tenha a bondade, apenas recomponha-se, aliás: Como sabe que me chamo Maria?

      Pode ter sido algo desastroso, o modo como conheci Maria, mas assim foi, em meio a desculpas desencabidas para justificar um nervosismo desmensurado que travei um contato inicial. Foi de grande proveito conhecer suas amarguras, pois assim pude atenuar seus sofrimentos com conselhos que lia todos os dias sem falta numa interessante revista semanal de curiosidades femininas, ela por certo nunca desconfiou das fontes de meus sábios conselhos, ainda que eu tenha me utilizado desta artimanha pouco incorreto do ponto de vista ético, na moral os conselhos foram sempre bastante pertinentes.

      Não obstante, este fato considerei uma verdadeira futilidade quando comparado com a sensação que tinha quando me aproximava de Maria, um sentimento agradável, terno. Sentia-me mais leve, embalado de pensamentos esvoaçantes, ficava longe de min. Ela? Ela me conheceu, e notou as minhas inequívocas intenções de uma aproximação mais próxima. Assim, após pronúncias e conselhos dos mais diversos, pela afeição que criamos um pelo outro não foi necessário muito para criarmos um... Um caso, sim um caso, não poderia dizer ser aquilo exatamente um namoro, por uma característica de inconstância. Por isto minha alma sofreu demasiado, ela não me desejava com o mesmo vigor, claro, claro supostamente não me amava, julgava-me um tolo ou desconfiava dos conselhos plagiados... Por muito tempo recalcitrei sobre esta penúria pela qual passava, e quais poderiam ser exatamente os motivos causadores. Tanto pensei que num diz cheguei à uma solução, através de uma suposição bastante lógica: ela estaria agindo desta maneira tão desregrada por um desejo incutido no âmago de sua consciência. Por certo era o próprio amor, o responsável pelas ações incertas e duvidosas que provinham de sua parte. Meus caríssimos leitores: esta genial conclusão me levou a crer que precisava tomar uma atitude o quanto antes, que fizesse comprovar a hipótese, que convenhamos, é tão sábia quanto perspicaz.

      Num belo dia de sol, enquanto pássaros alimentavam suas ninhadas com minhocas, e gaviões  opulentos pairavam nos céus, estas aves majestosas e silenciosas que voam no topo do mundo pareciam me dizer coisas. Foi de supetão, após sete anos vivendo nesta modesta situação amorosa, aos trancos e barrancos eu a pedi em casamento.

     Não foi nada agradável ouvir da parte dela uma resposta negativa, para meu espanto tudo havia acabado. Foi então que contratei um detetive, que descobriu que quando Maria ia à sua casa entrava num receptáculo semitransparente parecido à um globo de vidro ou cristal, insinuou-me através de fotos que ela não era humana senão um ser distinto, que ao entrar neste globo se dividia em centenas de Maria pequeninas, era lá que passava toda a noite, melhor dizer: que passavam a noite, numa semi-luminosidade azul translúcido. Miríades de Marias que pela manhã se uniam novamente. Fiquei petrificado, e duvidei daquele detetive julgando-o um farsante e fraudulento, que podia estar fazendo fotomontagens das mais enigmáticas e fantásticas, duvidei até o momento em que vi com meus próprios olhos.

      O pai de Maria certo dia disse que ela nunca poderia se casar comigo, neste dia me mostrou que em sua casa havia um compartimento secreto que levava ao centro da terra, que era muito quente, descemos pela portinhola e escorregamos por um longo tubo até o centro da terra, onde miríades de seres pequeninos perambulavam por uma cidade toda, tudo ao redor era avermelhado com pedras incandescentes. O pai de Maria se dividiu em muitos, e eu fiquei parecendo um gigante. Após conhecer a inusitada cidade o pior de tudo foi ter de subir tantos quilômetros para a superfície, onde com bastante compreensão pude entender e atenuar meus laços afetivos com Maria. No entanto esta estupenda novidade não foi causa de quaisquer infortúnios senão motivo para o aumento de meus sentimentos mais nobres, pois ao invés de uma Maria haviam centenas delas. Agora, somente agora eu entendo por quê o amor faz multiplicar a fraternidade.

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