Décimo sexto conto: O homem que decidiu olhar à sua
estante de livros:
Em meio às
brumas, à obscuridade um espírito perturbado recalcitra à respeito de suas
questões mais profundas, andando vertiginosamente de um lado à outro, braços
atrás do corpo com as mão unidas em atitude preocupada, o cenho franzido
provocando comissuras horizontais em sua testa. Era alto da noite, não
obstante, para a mente deste senhor não havia transcurso linear do tempo,
estava efetivamente perdido em devaneios ora de característica letárgica
deixando-o leve e sutil como em uma valsa, ora enfáticos e veementes, no
entanto sempre incautos. Julgava este senhor cujo nome é Ânrer, que até as
lembranças pareciam lhe assolar de tal modo, que de tão precisas que eram,
havia extraordinária vivacidade nelas, acreditando piamente por isto que ao
permearem sua mente criavam-se a si mesmas, andavam por onde bem quisessem,
estavam alí em sua mente, ainda que não fossem dele tamanha era a desenvoltura
e liberdade de suas próprias lembranças. Seu rosto assumia diferentes feições,
ora de serenidade e leveza, ora pesaroso e triste baixava a cabeça ao solo e
caminhava mais uma pouco.
A sala
era bem decorada, no entanto tudo obumbrado pela noite impenetrável pelas
pupilas, um sofá de couro escuro de disposava numa das paredes diante de
magnífico quadro com paisagem campestre verdadeiramente monótona em cores, na
mesa volumes de clássicos dispostos em três montes, um jornal semi-aberto ao
centro da mesa e muitas folhas de papel em branco ao lado da mesa de mogno.
Minha
mente percrusta campos incompreensíveis. Não entendo que é a memória: se é um
passado consumado ou uma vivência diferente daquilo que já há muito se foi. É
notável minha emotividade com coisas que há muito já se desvaneceram. Ó
lembranças da minha vida, como são profícuas, ainda que sejam solenemente
tristes, são o vínculo que me faz social! Águas passadas dum oceano, que
evaporam-se no ar da minha consciência, logo caindo como chuva no brilho dos
meus olhos, esta escuridão muito me agrada, tranquilisa e faz com que recorde
com mais intensidade daqueles a quem estimo.
De fato o
amor corresponde ao sentimento mais nobre que se possa imaginar, nós devemos
nutrir cada momento com o êxtase da novidade, a beleza de assustar-se
constantemente com o mundo é a procedência do bem viver, as parcas noções do destino se desvanecem
diante do encontro do amor fraternal, não há preocupações que possam coexistir
com preocupações mesquinhas, pragmáticas, fúteis, supérfluas e inúteis. A alma
anseia por sondar sendas tão mais profundas quanto é o local mais profundo que
se possa imaginar deste planeta, ali onde correm as seivas salutares e
incandescentes do espírito Gaia, sim é isto, no meu sangue corre minha própria
alma, é por isto que quando me recordo bate mais forte meu coração, claro! Como
não havia de imaginar à isto?
As
lembranças mais longínquas tornam-se vivas como o momento em que por elas
estava passando. Existe algo aqui! Isto eu sinto não de maneira ingênua e
infantil, mas utilizando minha lógica, os parâmetros racionais de que a vida me
dotou, há mistérios do consciente mais profundo do homem difíceis de se
atingir, mas logo, quando atingimos um triste êxtase se subleva ao coração,
trazendo tudo o que até então era pecaminosamente oprimido pela mentira,
falsidade e vã vivência à margem do entendimento num ímpeto quase que
explosivo. São os insights que chegam à min como se nunca tivessem feito parte
de min, quando na verdade eles são eu, a pequenez de minhas possibilidades, de
fato, não me permitiram chegar ao entendimento de minha consciência em toda sua
completude. É um terror, é sim, como é que esta sociedade se satisfaz com suas
vidas mesquinhas? Como podem ser tão inúteis? Ignorantes seres, que com suas
bestialidades se preocupam todos os dias, é pois mais fácil viver de prazeres
fáceis e descartáveis que sofrer bastante antes de cair diante de si mesmo e
dizer: - Ó vida, agora te compreendo! Agora melhor te entendo! Vejo que fala-me
pelo caminho mais árduo...
Ânrer
ficara em certo ponto de sua solitária discussão com sua consciência estático,
olhando à obscuridade, certo ângulo daquele escritorio, donde se encontrava
estante de livros, por momentos pensou visualizar um compêndio sobre a natureza
humana, de capa vermelho viva, que lera já a algum tempo. Talvez tivesse sido
um lapso de imaginação d sua consciência tal era o alcance da escuridão, que se
infundia naquele local como um mar de mistérios imaginosos. Seus olhos estavam
estáticos, e mais abertos do que fica em geral os olhos de uma pessoa de sã
consciência, seus braços cairam ao lado do corpo como que perturbado per
pensamentos perdidos, seus labios pareceram balbuciar algo, disse que pareceram
pois não foi possivel divisar os labios e parte duma estátua de prata que se
prostrava por trás de sua silhueta. Estava embasbacado, com postura pasma e
idiota, no entanto os olhos prosseguiam fitando as névoas obumbradas da noite,
nào sabia neste momento se via com os olhos ou com a imaginação pois à medida em
que sua imaginação ganhava força seus ímpetos de loucura pareciam tomar maior
sentido, e suas lembranças saltavam de sua mente como espectros evanescentes de
formas semi-ocultas no mar de nada que é a escuridão, não obstante isto que
acabamos de definir como mar de nada tornou-se colorido, colorido e rico, tão
rico na fértil e emotiva imaginação de ânrer que logo ele estava transportado à
sua consciência, e via tudo o que imaginava como realíssimo, infindáveis
pontinhos coloridos pareciam querer jogar com ele, seus olhos chegaram a arder,
pois não piscava, de tal forma permaneceu nesta postura que uma lágrima por sua
face triste e velha resvalou, como um rio de cristalina água perpassa uma noite
gélida de desconhecida floresta. Através
da finestra entrava de forma mística uma luz de lua tão forte quanto a loucura
de Ânrer.
Neste
preciso momento nada pensava senão em paisagens desconhecidas, através de
raciocinio lento e irracional, de modo que poderiam fundir-se em uma só idéias
antagonistas, os conceitos não mais eram importantes, mas sim a percepção
empirica daquela letargia louca, a pouca visão que tinha da sala
desfragmentava-se, dividindo-se em ondas de cores que ora vinham ora iam, seu
corpo estava fraco, muito fraco, tinha uma verdadeira ância de vômito, eis
justo o que perpassava em sua mente alucinante e corajosa:
O bem e
o mal, forças contrárias, não, devem ser sim parte de um todo, pois tudo o que
existe há de fazer parte dum contexto integral, é isto, tanto o fogo do sol como a água da terra se fundem
em forma de chuva, e caem ao homem, para dizer que fogo e água são um só. Tanto
o ar que respiramos como a terra de onde Deus nos tirou são a mesma coisa, pois
logo quando respiramos unimos ar e terra. É assim que quando a chuva, trazendo
sua mensagem cai no homem sedento de luz, vida, glória e paz fundem-se os
quatro elementos do mundo: terra, ar, fogo e água. Homem, ar, sol e água. Este
é o homem respirando na chuva, por certo segundo minhas conclusões a única
realidade existente, a metafísica do Mundo, só resta saber a metafísica de
Deus, mas à quem compete esta descoberta? De quem é esta tormentosa
responsabilidade? Hei de descobrir...
Os pensamentos
peregrinavam como grilos saltitantes, enquanto estranha tontura permeava a
realidade visual de nosso personagem, no entanto estava tão petrificado dentro
de seu próprio espírito, que à esta altura as percepções empíricas não lhe
tinham mais quaisquer importâncias, poderia até cair num abismo que não notaria
diferença, pois à ele o espírito do questionamento era a única coisa existente,
existia dentro de si, e nada mais era interessante, não sendo interessante era
inexistente aquilo que o circundava, assim que mergulhou mais fundo,
audaciosamente, tinha receio, não! Não era receio, senão um medo desconhecido,
provindo de seu exterior, pois ele não tinha medo, jamais teria, pois a vida
lhe era bela e ele a aproveitava, na verdade ocorria que tais foram as
proporções de seus pensamentos que logo imaginou estar bem, e isto somente lhe
bastava, suas pernas estavam doídas, pois não há qualquer pessoa que possa
sugerir quanto tempo, ao certo ficara naquela postura, a tentar olhar seu
compêndio sobre a vida, que estava não na estante de livros, mas dentro de si
mesmo.
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