DÉCIMO TERCEIRO CONTO: O fulgor de um projeto.
Lá estava ele:
concatenado numa postura pensativa em sua escrivaninha, esta de madeira
ornamentada, representações de folhas e feições de seres alados, animas de
homens sem rostos detalhados, como se suas vidas não tivessem ainda vindo à
tona. Tudo isto em madeira, eram detalhes de sua bela mesa de madeira. Sua face
era bela como possa parecer a mais bela face de um senhor de idade, com longas
e brancas barbas, olhar brilhante de olhos de um reluzente azul. Sim, lá estava
deus. Pensativo, mas insatisfeito com algo que não sabia o que era. Sua
escrivaninha era de tamanha perfeição que poder-se-ia ficar dias inteiros
contemplando as beldades dos detalhes e das próprias expressões dos detalhes.
Sentado numa poltrona de ouro, com os mais diversos ornamentos e formas
arredondadas em prata, nestas formas encrustavam-se distribuídos de maneira
harmoniosa e conjunta cristais, esmeraldas, rubis, ágatas e pérolas da mais
rica magnificência e perfeição.
Suas
mãos já bastante envelhecidas pela idade, cujo número desta ninguém cogita
citar, portando um lápis com a ponta bastante afiada de grafite escuro batia-o
freneticamente na mesa produzindo um toc-toc quase que insuportável. Sua mente
perscrutava as mais criativas idéias, mas não chegava a muitas conclusões já
que estas eram bastante contraditórias por vezes. Logo apontava mais o lápis
jogando cuidadosamente as cascas na lixeira, e retomava sua quase que maníaca
atitude de bater o lápis à mesa. Logo, com o passar do tempo, o lápis se
transformou num pequenino toco de maneira que quase não dava para segurar.
–
Não! – Pensava ele com uma imponência de causar medo a qualquer mortal.
– Este será meu projeto... Sim, sim... Um projeto, já faz algum tempo que não
tenho nada a fazer senão contemplar esta negra imensidão e elogiar os detalhes
de minha própria mesa! De quê adianta estar só a contemplar as próprias
potencialidades? – E logo respondia a si mesmo, num interminável e solitário
monólogo. - Sempre achei que estes
desenhos bastante estranhos, esquisitos, originais e diferentes, mas é certo
que de uma ou de outra maneira me valeriam para criar alguma idéia, e vi que as
coisas são muito interessantes pois vou criar alguma coisa.
Sim!
Estava agora resoluto a criar algo, de maneira febril e vertiginosa começou a
escrever, fazer esboços, contas, tabelas, gráficos e estudos nos mais variados
âmbitos que imaginava, e logo seu lápis pequenino acabou, pegou um outro de um
pequeno estojo de couro marrom-avermelhado, e logo se gastou por inteiro este
outro lápis, mas sua frenética e explosiva perturbação não acabara, e as folhas
se amontoavam de maneira desordenada ao lado direito de sua mesa, enquanto que
do lado esquerdo trabalhava intensamente nas novas folhas, logo uma pilha da
altura de um homem das folhas do projeto se prostrava ao lado direito da mesa.
Levantou-se consternado e inebriado com sua própria loucura e com certa
dificuldade pegou aquele amontoado de folhas e pôs no chão, mas não existia
chão, tudo era totalmente obscura de modo que parecia que aquele senhor Deus,
sua majestosa poltrona e sua mesa estivessem flutuando numa infinita escuridão,
ou vácuo, nada do ausente existir poderia ser designada àquelas sombras aterradores.
Contemplou por pouco tempo a pilhagem de realidade que projetara, mas
logo sentou-se novamente imbuído por loucas idéias de criação, logo viu
necessidade de utilizar réguas, compassos, calculadoras e esquadros, dizendo a
si mesmo que seu projeto deveria ser metódico e perfeito, não queria erros de
cálculos, por isso à cada problema aritmético enfrentado repetia-o de cinco à
dez vezes para conferir. Estava tão imerso em seus afazeres que logo
esqueceu-se que num tempo anterior não tinha nada a fazer senão contemplar as
potencialidades de sua mesa, aliás não dispunha mais tempo para nisto pensar.
Destituiu-se do tempo que dispunha para pensar em projetos para logo
realiza-lo. Logo o imenso negrume que o circundava estava abarrotado de pilhas
de folhas, cada pilha representava uma parte distinta de suas idéias. Logo após
uma incomensurável quantidade de lápis utilizado, muitíssimas pilhas gastas de
sua calculadora pessoal, e aproximadamente duas mil réguas gastas prostrou-se
embasbacado, pois nem mesmo Deus acreditava estar em sua última folha de projeto,
acabando esta parou e olhou ao redor de si espantado com a própria criação. Não
se sabe quanto tempo ficou nesta posição, sentado, com o olhar à frente como se
estivesse vendo o nada, entretanto via o tudo. Num movimento estranho e
imparcialmente desvoluntário colocou os cotovelos à mesa e apoiou as mãos à
testa segurando a cabeça com desalento, como se esta fosse desabar.
Instintivamente acreditava que havia alguma coisa errada em sua criação, mas
não sabia o que era. Tampouco houvera mortal corajoso para cogitar qual o tempo
que Deus ficara com aquela desalentada e letárgica postura, como que triste e
insatisfeito, mas é certo que levantou-se num salto incrível e assustador,
afastando o pesado trono para trás pegou um por um dos montes e montes de
folhas e fez muitas correções, coloriu todas as folhas com belos desenhos e
utilizou as mais variadas cores de seus lápis de cores, repetindo a si mesmo em
alta voz: - Sim! Sim! Faltava algo em tudo... A arte será parte de meu projeto,
pois sem arte, sem arte não há vida!
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