Thursday, October 31, 2024

13 - O fulgor de um projeto

 

DÉCIMO TERCEIRO CONTO:  O fulgor de um projeto.

 

      Lá estava ele: concatenado numa postura pensativa em sua escrivaninha, esta de madeira ornamentada, representações de folhas e feições de seres alados, animas de homens sem rostos detalhados, como se suas vidas não tivessem ainda vindo à tona. Tudo isto em madeira, eram detalhes de sua bela mesa de madeira. Sua face era bela como possa parecer a mais bela face de um senhor de idade, com longas e brancas barbas, olhar brilhante de olhos de um reluzente azul. Sim, lá estava deus. Pensativo, mas insatisfeito com algo que não sabia o que era. Sua escrivaninha era de tamanha perfeição que poder-se-ia ficar dias inteiros contemplando as beldades dos detalhes e das próprias expressões dos detalhes. Sentado numa poltrona de ouro, com os mais diversos ornamentos e formas arredondadas em prata, nestas formas encrustavam-se distribuídos de maneira harmoniosa e conjunta cristais, esmeraldas, rubis, ágatas e pérolas da mais rica magnificência e perfeição.

      Suas mãos já bastante envelhecidas pela idade, cujo número desta ninguém cogita citar, portando um lápis com a ponta bastante afiada de grafite escuro batia-o freneticamente na mesa produzindo um toc-toc quase que insuportável. Sua mente perscrutava as mais criativas idéias, mas não chegava a muitas conclusões já que estas eram bastante contraditórias por vezes. Logo apontava mais o lápis jogando cuidadosamente as cascas na lixeira, e retomava sua quase que maníaca atitude de bater o lápis à mesa. Logo, com o passar do tempo, o lápis se transformou num pequenino toco de maneira que quase não dava para segurar.

         Não! – Pensava ele com uma imponência de causar medo a qualquer mortal. – Este será meu projeto... Sim, sim... Um projeto, já faz algum tempo que não tenho nada a fazer senão contemplar esta negra imensidão e elogiar os detalhes de minha própria mesa! De quê adianta estar só a contemplar as próprias potencialidades? – E logo respondia a si mesmo, num interminável e solitário monólogo. -  Sempre achei que estes desenhos bastante estranhos, esquisitos, originais e diferentes, mas é certo que de uma ou de outra maneira me valeriam para criar alguma idéia, e vi que as coisas são muito interessantes pois vou criar alguma coisa.

       Sim! Estava agora resoluto a criar algo, de maneira febril e vertiginosa começou a escrever, fazer esboços, contas, tabelas, gráficos e estudos nos mais variados âmbitos que imaginava, e logo seu lápis pequenino acabou, pegou um outro de um pequeno estojo de couro marrom-avermelhado, e logo se gastou por inteiro este outro lápis, mas sua frenética e explosiva perturbação não acabara, e as folhas se amontoavam de maneira desordenada ao lado direito de sua mesa, enquanto que do lado esquerdo trabalhava intensamente nas novas folhas, logo uma pilha da altura de um homem das folhas do projeto se prostrava ao lado direito da mesa. Levantou-se consternado e inebriado com sua própria loucura e com certa dificuldade pegou aquele amontoado de folhas e pôs no chão, mas não existia chão, tudo era totalmente obscura de modo que parecia que aquele senhor Deus, sua majestosa poltrona e sua mesa estivessem flutuando numa infinita escuridão, ou vácuo, nada do ausente existir poderia ser designada àquelas sombras aterradores.

           Contemplou por pouco tempo a pilhagem de realidade que projetara, mas logo sentou-se novamente imbuído por loucas idéias de criação, logo viu necessidade de utilizar réguas, compassos, calculadoras e esquadros, dizendo a si mesmo que seu projeto deveria ser metódico e perfeito, não queria erros de cálculos, por isso à cada problema aritmético enfrentado repetia-o de cinco à dez vezes para conferir. Estava tão imerso em seus afazeres que logo esqueceu-se que num tempo anterior não tinha nada a fazer senão contemplar as potencialidades de sua mesa, aliás não dispunha mais tempo para nisto pensar.

       Destituiu-se do tempo que dispunha para pensar em projetos para logo realiza-lo. Logo o imenso negrume que o circundava estava abarrotado de pilhas de folhas, cada pilha representava uma parte distinta de suas idéias. Logo após uma incomensurável quantidade de lápis utilizado, muitíssimas pilhas gastas de sua calculadora pessoal, e aproximadamente duas mil réguas gastas prostrou-se embasbacado, pois nem mesmo Deus acreditava estar em sua última folha de projeto, acabando esta parou e olhou ao redor de si espantado com a própria criação. Não se sabe quanto tempo ficou nesta posição, sentado, com o olhar à frente como se estivesse vendo o nada, entretanto via o tudo. Num movimento estranho e imparcialmente desvoluntário colocou os cotovelos à mesa e apoiou as mãos à testa segurando a cabeça com desalento, como se esta fosse desabar. Instintivamente acreditava que havia alguma coisa errada em sua criação, mas não sabia o que era. Tampouco houvera mortal corajoso para cogitar qual o tempo que Deus ficara com aquela desalentada e letárgica postura, como que triste e insatisfeito, mas é certo que levantou-se num salto incrível e assustador, afastando o pesado trono para trás pegou um por um dos montes e montes de folhas e fez muitas correções, coloriu todas as folhas com belos desenhos e utilizou as mais variadas cores de seus lápis de cores, repetindo a si mesmo em alta voz: - Sim! Sim! Faltava algo em tudo... A arte será parte de meu projeto, pois sem arte, sem arte não há vida!

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