Friday, November 1, 2024

29 - O céu de Pedro

 

Vigésimo nono conto: O Céu de Pedro

-             Onde estou?

-             Você está no além.

-             Além do quê?

-             Além dos limites que o sr humano julga existires para a vida.

-             Não, isto é impossível! – Retrucou nervosamente Pedro – Eu ainda estou vivo! Não Vês? Acaso pensas que não tenho discernimento?

-             Não meu querido... – Disse o anjo – O fato de ainda estar vivo é mais que natural, já que a vida continua.

-             Este ambiente é tão claro. – Falou olhando ao redor, interessado em algumas nuvens que por ali havia. – Até parece que estou no céu... Será algum sonho?

-             Sim, justamente isto, um sonho, pois nos sonhos temos breve acesso à 4a dimensão, e por certo estás no mesmo ambiente que dantes com a diferença que não mais preso ao corpo estás, podes voar livremente por aí.

-             Voar? Estás louco? Não vês a altura que está este lugar?

-             Não se preocupe, se acaso houvesse algum perigo, este seria qual? Morrer novamente? Não, isto já fazemos na terra, pouco a pouco, morremos diariamente perdendo nosso tempo com atividades vãs, por vezes até destrutivas. De que vale assim viver? Isto é morrer e não viver, ficamos por ali perdidos, sem saber que fazer, ora estas, esta gente sem projetos, outros de coração endurecido começam a dizer loucuras e por aí perdem-se...

-             Quem são aqueles ali? -  Pedro apontou para uns sujeitos que em roda tocavam alguns instrumentos musicais.

-             Ora estas Pedro: Estes são os tocadores de harpa e flauta, sabe, por lá em baixo, se houvesse maior interesse por música de  qualidade toda gente seria mais feliz, e até mais benévola, pois música e artes em geral é coisa que diz respeito ao espírito à alma, e chega ao coração de forma incisiva e avassaladora.

      Assim que os dois seres espectrais foram, pelas nuvens andando até chegar à certa parte daquele emaranhado de nuvens onde havia grande floresta, e lá era respectivamente a morada dos mortos, aliás, onde os mortos mais vivos que nunca executavam uma série de atividades, uns pegavam frutas de cores variadas, um sujeito tocava uma pequenina flauta, cujo som produzido provocava em Pedro sensação de grande conforto, era como se os sons fossem uma espécie de energia e não simplesmente audíveis. Neste momento Pedro se deu conta de que todo o seu corpo não era exatamente um corpo, mas sim uma consonância de experiências de diversas vidas vividas no planeta Terra, exatamente 357 vidas, das quais, tendo lembrado de tudo o que passara, a única coisa que podia absorver de realmente útil, além de todo o conhecimento é o amor, um sentimento intenso, incomparável com qualquer outro tipo de experiência. Se esbaldou neste momento em lágrimas que se derramaram como chuva por todo seu rosto, abraçou o anjo guia e disse:

-             Anjo guia: Agora realmente, graças à seu auxílio, e talvez aos sons estranhos deste homem que toca esta pequena flauta, tendo lembrado de uma série de reencarnações, estou tomado de uma sorte de sentimento muito forte, indescritível, que me fazem ainda compreender que o mundo é realmente belo, que o bem é o caminho linear, a trajetória que todos devem seguir, e... Infelizmente percebo quanto tempo perdi com futilidades e até besteiras nas 357 vidas que vivi na terra. É certo dizer que nos interstícios das vidas pude sempre cair na real, e me dar conta de que tinha feito isto ou aquilo de errado, e que aquela outra coisa deveria ser corrigida com urgência. No entanto é fato que quando me encontrava na carne nunca entrava em contato com minha consciência espiritual para ver as necessidades prementes, caindo assim nas ilusões da vida mundana.

-             Veja só! Finalmente viste quem és e onde estás. Vê quantos pássaros cantam em uma alegria inacabável? Acolá os animais campestres vão para todos os lados em busca de seus alimentos, ora estas, não notas acaso que este lugar é o mesmo que o lá de baixo? A única diferença está no fato de que aqui o homem não deturpa seu contato com a natureza, aliás o homem é a natureza. Por aqui vamos aos poucos percebendo que tudo é integrado numa só unidade. É a alma que fala: saudades sempre ressurgirão num insight melancólico de imagens do passado, no presente nos embebemos da mágica da alegria e da profundidade de amar à Deus e à todos. Sempre crendo com força, coragem e perseverança em expectativas de futuro promissor. O porvir é um projeto que mantém a luz do ser humano acesa.

-             Peço perdão, oh grande anjo, que me seguiste por sendas duvidosas na terra, enquanto eu errava e perambulava como louco perdido, tu de joelhos orava para que Deus me socorresse. Sou por certo, por este motivo causador de muitas injúrias, motivo de desagrados e até desaventuranças das mais diversas, e agora, nesta forma sutil posso perceber com nitidez qual o peso de tais procedimentos, atitudes dúbias e niilistas, sem valor humano ou divino. Quem sou? Por que estou acima das nuvens e não abaixo da terra? Peço perdão... Peço perdão...

      Pedro então, tomando consciência do que é realmente aquilo que se chama vida cai prostrado de joelhos diante do anjo, ainda chorando, mas agora em prantos mais graves, num momento áureo e crucial de sua existência, o que deixou outros anjos que perambulavam por perto com atividades rotineiras extremamente sensibilizados com a comovente cena, estes anjos entreolharam-se, e uns até o lenço pegaram para enxugar algumas lágrimas. Pedro lamentou profundamente seus erros, o que não era o suficiente para corrigi-los mas sim o primeiro passo, e bastante acertado, para seguir num caminho proveitoso de correções. Seu pranto fora tão alardeante, que chegou por momentos a aturdi-lo de tal forma a provocar certa tontura e vertigem. Tanto suplicou, tanto rogou que o anjo se comoveu tão profundamente quanto se arrependera ele, e, num ato de benevolência abençoou-o permitindo nova encarnação. Uma nova vida para a reconstrução de vivências de paz e amor, onde tudo seria válido como experiências de aprendizagens, ainda que sombrias e denegridoras seriam úteis como aprendizado das sendas da vida. Pois a vida é isto: aprender e reconstruir novos caminhos.

       Aquele momento ficou marcado na vida de Pedro, pois assim como ele, o ser humano em geral tende a fugir de suas nevrálgicas questões, dos dilemas mais profundos de seu consciente. Procura escapar disto de maneira dissimulada, disfarçada, mascarada. Assim leva toda a vida fingindo estar extremamente intrigado com novidades das mais diversas, esquecendo-se de que na vida o que há de mais importante são as questões perenes da vida.

      A felicidade e o amor sinceros serão encontrados somente no momento em que nos prontificarmos à enfrentar, com coragem e determinação as questões que nos atordoam, que nos assolam nas profundezas de nosso íntimo. É lá que estão enterrados os miasmas dos quais fugimos, de modo que assim parecemos uns patetas fujões. A evasiva ocorre não à toa, mas sim pela dificuldade que há em olhar diretamente nos olhos da problemática, pois quem olha nos olhos não enxerga as aparências mas sim o espírito, a essência daquilo, os olhos transmitem a verdade de uma maneira tão intensa e incisiva que os mais longos discursos, as palestras mais acalentadas não poderiam se equiparar ou mesmo chegar próximo desta intensidade de transmissão de verdade. Olhe seus problemas com veracidade, não use as máscaras da vida para ocultar-lhes. Faça como Pedro: Pergunte-se sempre quem és, onde estás. É certo que se fizerdes isto encontrarás tantas novidades há muito ocultadas, que em suma não são novidades senão verdades obumbradas pelas máscaras da vivência humana

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