Vigésimo sexto conto: A intuição
Caminhando por uma praia certa vez eu encontrei cinco grãos de areia. É
verdade, acreditem em min. Logo vejo que perceberam o quão perceptivo eu sou,
não, não perceptivo, mas intuitivo pois de fato intuí que estes grãos
estivessem sob meus próprios pés. Que sorte do destino, vejam só: eu lá
andando, e eles sempre ali, só fui me dar conte depois de certo tempo de
caminhada, por causa da intuição, retornei então todo o trajeto com os mínimos
cuidados para calcular com exatidão onde estava quando cheguei à praia. O que
não esperava é que minhas pegadas tivessem sido apagadas pelas ondas, malditas
ondas, esta foi minha reação inicial. Quando iria eu achar aqueles cinco grãos
de areia novamente? Fato surpreendente foi que eu achei, creio que por acaso ou
mesmo sorte do destino. Os leitores devem muito estranhar o fato de procurar
alguns meros grãos, mas estes eram especiais.
Por quê?
Cada grão representava um planeta diferente, planetas sem nome, cada qual ainda
tinha em si bilhões de habitantes. Fiquei aterrado, verdadeiramente preocupado
quando lembrei-me que ao passar poderia haver não intencionalmente ter pisado
em um dos grãos, quer dizer, um dos planetas, e ser um assassino de bilhões de
seres. Deveria dizer seres extra-terrestres? Não, definitivamente não, eles
vivem por aqui, e devem por isto ser considerados terrestres, mas vivem em
outro planeta, digamos um outro planeta que está no nosso planeta, conectado,
engajado.
Peguei
os cinco grãos na mão com um cuidado extremo, atenção redobrada, não consegui
enxergar uma diferença que fosse gritante, ou que indicasse diferença em
relação com qualquer dos outros grãos. Fiquei nervoso, pois minha intuição não
indicara assim e decidi, emergencialmente leva-los ao microscópio, chegando ao
laboratório coloquei os grãos sobre a mesa e fui tomar um café, quando retornei
eles não estavam mais lá. Foi de notória surpresa quando lembrei-me que por
minha falta de atenção ou um descuido bastante grande havia confundido os grãos
planetas com grãos de açúcar, e os havia posto não intencionalmente na xícara,
que aterradoramente se encontrava plena daquele líquido obscuro, terrívelmente
quente e até pestilento na perspectiva de um indivíduo que fosse adentrar-se
num ambiente destes, sim seria hostil.
Com
velocidade espantosa despejei todo o conteúdo da xícara numa toalha, antes de
causar queimaduras das mais graves nos planetas, notei que muita açúcar se
misturara com os grãos, de modo que ficara difícil distinguir qual era um e
qual era outro, não há outro meio de saber senão colocando um por um na boca,
se não se desfizesse por certo seria areia. Foi isto então que fiz, com perícia
e minuciosidade que até então desconhecia.
Transcorrido grande intervalo de tempo consegui separar os cinco
planetas, e os pus no microscópio, desta vez até desisti de tomar café, aliás
fiquei extremamente arrependido de ter
tido esta idéia, pois poderia de maneira avassaladora dizimar miríades de seres
em uma atitude aparentemente simples e banal. Estando sob a vista das lentes do
microscópio pude analisar melhor aqueles diferentes mundos, foi de muita
desventura quando notei sua similaridade com grãos de areia comuns. Teria eu,
não intencionalmente, pegado os grãos de areia errados da praia? Seriam grãos
de açúcar que não derretiam? Minha mente fervilhava de dúvidas e cogitações das
mais diversas.
No outro
dia retornei ao mesmo lugar da praia, preocupadíssimo com a possibilidade de
alguém haver massacrado os cinco planetas originais. Estando já no mesmo lugar
olhei bem para o chão e prestei atenção à todos os detalhes da areia, percebi
logo que haviam uns grãos que eram relativamente maiores que outros, alguns
também tinham uma certa transparência, e outros ainda que julgava numa primeira
instância serem grãos eram na verdade pequenos pedaços de conchas. Dentre esta
vasta gama de variedades encontrei três esferas de tamanho igual que um grão,
mas de formato totalmente esférico. Claro! Estes deveriam ser estes os
verdadeiros. Pretenciosamente coloquei-os no bolso e retornei ao local base de
minhas investigações: o laboratório. Após as verificações iniciais constatei
ter anteriormente me enganado de maneira crassa, como pudera eu haver cometido
um erro destas proporções? Pegar os grãos errados? Bem... então o que se passou
foi fenomenal, sem igual, desta vez nem cogitei tomar o café e fui direto ao
assunto, os pus no microscópio, quando focalizei os planetas notei que cada
qual era de uma tonalidade avermelhada bastante vivaz, quase como se emitissem
luz por si mesmo. Aí fiquei observando por meia hora, o que acabou por se
prolongar por duas ou três horas, foi quando me cansei e fui tomar um café,
desta vez entretanto intencionalmente coloquei os cinco planetas dentro da
xícara de café e tomei o café por completo, sem medo nem piedade, até queimei a
garganta, de tal forma degluti aquela bebida que antes nunca me notara tão
afoito e desesperado por tomar um café.
Óbviamente enguli os planetas junto, sim, já estava farto de toda esta
história, cansado e exausto de intuições fui viver o dia.
No comments:
Post a Comment