Vigésimo terceiro conto: O amor de todos os tempos!
Os
clamores das cornetas celestiais anunciavam: era o momento da chegada, sim a
paz derradeira por fim estaria presente. Os espíritos dos reis de todas as
dinastias e períodos do mundo se levantaram de seus túmulos para receber dos
céus a luz divina. Um mistério impenetrável havia ainda: de tantos reis, qual
seria aquele que ficaria com a coroa doada pelas mais requintadas potestades?
Assim
certo temor anuviou os pensamentos dos que ainda estavam vivos, e dos reis que
levantavam-se de suas tumbas, bastante melancolia soava no ar, como longínqua
música, todos deixavam-se invadir por esta sensação que a pesar de guardar
grandes segredos em si proporcionava certo descanso ao coração.
Foram em
cavernas das profundidades mais longínquas da terra que notaram-se mudanças,
pois lá, onde somente prevalecia obscuridade e medo surgiu uma luz bastante
forte, consoladora e terna a luz inundou muitas câmaras dos abismos terrestre,
deixando mostrar seres mágicos e mitológicos que até então eram vivos apenas na
imaginação humana.
No
mundo dos homens houveram muitas festas, mas nenhuma se igualou em esplendor à
esta que agora se fazia presente, pois a luz foi tão intensa e bela que os
muitos que se deixaram extasiar decidiram muito festejar. Era uma dádiva,
talvez os tempos finais, pois um amor
fraterno permeou todos os corações dos homens. Uma festa séria, a festa que os
céus tanto haviam esperado para trazer aos homens.
Após
muito festejarem, os homens pararam a escutar que viria depois. Um silêncio
como jamais havia-se sentido antes vigorou por tempo indeterminado, até que
finalmente as refulgências celestes baixassem à morada terrena, ali nas nuvens
começaram-se a ver formas distintas, com muita claridade, anjos de diversos
tamanhos e tipos de asas descendo, os mitos e deuses das profundezas da terra
saíram de suas tocas, a buscar a redenção.
Foi então
que o silêncio permeava-se de ruídos misteriosos, poderiam ser almas ainda não
redimidas, ou ruídos trazidos de tempos remotos, avivados por lembranças
tormentosas. Isto porém não durou muito, pois dos céus e do centro da terra
vieram as palavras finais: - Todos serão
libertos de seus receios, sua amarguras e tormentos serão apenas passado, o
presente será de Bem Aventuraça, venham reis e plebeus à min, venham mitos e
deuses à min, venham anjos e potestades à min. Chegou a hora: seremos todos um
só, assim como no início será o final, e será o novo inicio, como assim se
passa na infinidade do tempo.
-
Não, eu não quero ir! – Disse uma alma arredia, relutantemente enquanto
batia com os pés no chão enraivecida com seu destino
-
Como não quer ir? Quêm ousas me contrariar? – Disse impetuosamente
Deus, com uma voz incisiva, que não podia ao certo perceber de onde provinha:
se da própria consciência ou local externo, a pergunta fora tão arrebatadora
que aquela alma estando antes resoluta e firme em seu intuito balbuciou alguma
coisa ininteligível e logo disse cautelosamente.
-
Não... Sabe o que é? É que... que eu achei que o final dos tempos seria
diferente. – Falou aquela alma, tentando ser um pouco mais simpática, não
pretendendo sinceramente criar quaisquer atritos ou aborrecimentos eventuais à
Deus.
-
Diferente? Como assim? – Perguntou a voz trovejante, bastante curiosa
pela audácia daquele ser ínfimo e petulante.
-
Ha! Sabe como é que é, né Deus, a gente vive, vive e no final tudo tem
que acabar e começar de novo, interminavelmente? Isto é absolutamente patético!
Err... Quer dizer, creio que seja um tanto estranho ou inesperado.
-
Você é uma alma um tanto inoportuna, pos parece haver contrariado todas
as regras que até então estabelecí, vejas tú como todos vêm à min como
criancinhas boazinhas, at
-
é aqueles que não prestaram muito vem aqui comigo ter, mas você. Quê
raios de loucura te assola?
-
Nenhuma, é que parei, refleti e concluí que não vale a pena começar
tudo de novo, com todo o respeito, o senhor deveria fazer estas leis um pouco
diferentes, algo um pouco mais “light” sabe?
-
“Light”? Quê quer dizer isto?
-
Sutil, suave, ameno, delicado, sensível ou aprazivo. Algo em que
pudéssemos nós mortais nos embaldar duma alegria soberba.
-
Não! Não! Isto não, pois a soberba é extremamente pecaminosa, gostei
deste negócio de “light”mesmo a pesar de não ter sido uma criação prorpiamente
minha, seria uma criação da criação. No entanto erra muito quando diz querer
ser um soberbo, como queres tu isto, ser repelente, se tampouco isto possuem os
reis de teu mundo?
-
Me precipitei, eu quis dizer elegante.
-
Aqui está sua elegância – Ouviu-se um som de estalir de dedos e
subitamente aquela alma, que já trajava alguns farrapos carcomidos por vermes
que por centenares de anos perpassaram aquele corpo em trajetos dos mais
variados, fazendo retalhos dos mais variados, aquela alma subitamente viu-se
num belíssimo “smoking” como nos tempos da juventude.
-
Aí está tua elegância, mas agora venha que já é hora, depois do final
tenha muito trabalho a fazer, pois como vê novamente irei iniciar o mundo.
-
E nós?
-
Nós quem? Filho arredio...
-
Nós eu.
-
Nós eu? Não há nexo nestas tuas palavras, venha logo e acabarei de uma
vez por todas com isso.
-
Não vês, tu que és o Deus, que são as súplicas que saem como sangue de min?
-
Bem, já que tu tanto insiste, e como minha imparcialidade hoje não está
lá muito convicta de si, aliás não sou mais o de antigamente, é: na época de
Moises sempre fui bastante imperioso, a humanidade tanto me transformou que
tratei de mudar minha postura, hoje meus braças estão abertos até se for o caso
para trocar uma lei ou outra. Não dizem por aí que o meio faz o homem? Pois
veja você, que o meio foi tão influente que até à Deus fez. Não vou no entanto
falar muito à você de detalhes supérfluos, pois sou Deus, e tenho de uma
maneira ou outra de demonstrar certa imponência, ao menos para deixar uma boa
impressão, sabe?
-
Claro, claro, senhor Deus: tu és o pai e a mãe do universo, sem ti o
nada ainda seria nada, e sem ti nem tu serias algo pois é evidente que criaste
a ti mesmo.
-
Muito te enganas tu mortal, em verdade, em verdade vos digo: Foi o nada
que me criou, e não eu que criei a min mesmo.
-
Mas que diferença isto faz?
-
Muita! O nada têm o poder inicial, a alavanca de partida do universo, é
por isto que quando tudo chega ao seu devido final tenho de reduzir a nada
novamente, para que seja criado uma vez mais.
-
Que coisa estranha, parece não fazer muito sentido...
-
Há coisas que não têm mesmo sentido, meu filho – Disse Deus ternamente
– E temos de nos contentar com isto, vejas tu, que até eu, sendo o Deus único e
poderoso do universo, tendo tudo o que quero aos meus pés, não interpretes ao
pé da letra, quero dizer pés metaforicamente, pois além de tudo sou abstrato e
imaterial, logo condui-se que não tenho pés. Pois então: mesmo eu, ainda não
descobri ao certo o sentido da vida.
-
Ai meu Deus! – Falou o espírito rebelde, aterrado pelo que ouvia de
Deus, seria o mesmo Deus que ele tanto imaginara enquanto vivo? Logo pôs-se a
pensar o quão ignorante era aquele Deus, entretanto como Deus tudo sabe, e dele
não se podem ocultar segredos senão aqueles que não se sabe, Deus leu os
impropérios que à ele eram dirigidos em pensamento como se estivessem sendo
recitados em som alto e claro.
-
Quê dizes de min? Burro e pateta? Mas quê espécie de palerma eres tu ó
criatura ínfima e pequena?
-
Não penses isto de min ó querido e amável Deus... – Desconversou o
espírito, que argutamente apercebera-se da ocorrência inesperada. – Eu estava
justamente pensando sobre um outro Deus...
-
Se é assim, não há quaisquer motivos para reencarnar-te como uma lesma
ou lama.
-
Dalai Lama?
-
Não, lama de terra molhada.
-
Que desagradável, eu ficaria logo resfriado!
-
Sim, possivelmente! – Falou Deus convicto de sua vitória, quando na
verdade estava sendo ludibriado, pois o outro inventara o suposto “outro Deus”
quando apercebera-se de sua crítica situação diante do Criador.
-
Bem já se faz tarde, eu devo ir indo...
-
Indo não! Vindo! Veja ao seu redor.
-
Não há nada ao meu redor, só um branco infinito, uma luz monótona e
linear que se faz presente em todos os lugares. Quê luz é esta?
-
Sou eu!
-
Estou em você.
-
Ora estas, é claro que sim! Não somente estás em min como és parte de
min, pois eu sou minha própria criação.
-
Quê acontecerá agora? Tenho certo receio de perder à min mesmo...
-
Não te apavores, irá ocorrer tudo o que já ocorreu até agora: da vida
se fará mais vida, da luz se fará mais luz, do homem se farão mais homens, e do
amor se farão todos os tempos.
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