Friday, November 1, 2024

23 - O amor de todos os tempos!

 

Vigésimo terceiro conto: O amor de todos os tempos!

 

      Os clamores das cornetas celestiais anunciavam: era o momento da chegada, sim a paz derradeira por fim estaria presente. Os espíritos dos reis de todas as dinastias e períodos do mundo se levantaram de seus túmulos para receber dos céus a luz divina. Um mistério impenetrável havia ainda: de tantos reis, qual seria aquele que ficaria com a coroa doada pelas mais requintadas potestades?

      Assim certo temor anuviou os pensamentos dos que ainda estavam vivos, e dos reis que levantavam-se de suas tumbas, bastante melancolia soava no ar, como longínqua música, todos deixavam-se invadir por esta sensação que a pesar de guardar grandes segredos em si proporcionava certo descanso ao coração.

      Foram em cavernas das profundidades mais longínquas da terra que notaram-se mudanças, pois lá, onde somente prevalecia obscuridade e medo surgiu uma luz bastante forte, consoladora e terna a luz inundou muitas câmaras dos abismos terrestre, deixando mostrar seres mágicos e mitológicos que até então eram vivos apenas na imaginação humana.

       No mundo dos homens houveram muitas festas, mas nenhuma se igualou em esplendor à esta que agora se fazia presente, pois a luz foi tão intensa e bela que os muitos que se deixaram extasiar decidiram muito festejar. Era uma dádiva, talvez os tempos finais, pois  um amor fraterno permeou todos os corações dos homens. Uma festa séria, a festa que os céus tanto haviam esperado para trazer aos homens.

      Após muito festejarem, os homens pararam a escutar que viria depois. Um silêncio como jamais havia-se sentido antes vigorou por tempo indeterminado, até que finalmente as refulgências celestes baixassem à morada terrena, ali nas nuvens começaram-se a ver formas distintas, com muita claridade, anjos de diversos tamanhos e tipos de asas descendo, os mitos e deuses das profundezas da terra saíram de suas tocas, a buscar a redenção.

     Foi então que o silêncio permeava-se de ruídos misteriosos, poderiam ser almas ainda não redimidas, ou ruídos trazidos de tempos remotos, avivados por lembranças tormentosas. Isto porém não durou muito, pois dos céus e do centro da terra vieram as palavras finais: -  Todos serão libertos de seus receios, sua amarguras e tormentos serão apenas passado, o presente será de Bem Aventuraça, venham reis e plebeus à min, venham mitos e deuses à min, venham anjos e potestades à min. Chegou a hora: seremos todos um só, assim como no início será o final, e será o novo inicio, como assim se passa na infinidade do tempo.

-             Não, eu não quero ir! – Disse uma alma arredia, relutantemente enquanto batia com os pés no chão enraivecida com seu destino

-             Como não quer ir? Quêm ousas me contrariar? – Disse impetuosamente Deus, com uma voz incisiva, que não podia ao certo perceber de onde provinha: se da própria consciência ou local externo, a pergunta fora tão arrebatadora que aquela alma estando antes resoluta e firme em seu intuito balbuciou alguma coisa ininteligível e logo disse cautelosamente.

-             Não... Sabe o que é? É que... que eu achei que o final dos tempos seria diferente. – Falou aquela alma, tentando ser um pouco mais simpática, não pretendendo sinceramente criar quaisquer atritos ou aborrecimentos eventuais à Deus.

-             Diferente? Como assim? – Perguntou a voz trovejante, bastante curiosa pela audácia daquele ser ínfimo e petulante.

-             Ha! Sabe como é que é, né Deus, a gente vive, vive e no final tudo tem que acabar e começar de novo, interminavelmente? Isto é absolutamente patético! Err... Quer dizer, creio que seja um tanto estranho ou inesperado.

-             Você é uma alma um tanto inoportuna, pos parece haver contrariado todas as regras que até então estabelecí, vejas tú como todos vêm à min como criancinhas boazinhas, at

-             é aqueles que não prestaram muito vem aqui comigo ter, mas você. Quê raios de loucura te assola?

-             Nenhuma, é que parei, refleti e concluí que não vale a pena começar tudo de novo, com todo o respeito, o senhor deveria fazer estas leis um pouco diferentes, algo um pouco mais “light” sabe?

-             “Light”? Quê quer dizer isto?

-             Sutil, suave, ameno, delicado, sensível ou aprazivo. Algo em que pudéssemos nós mortais nos embaldar duma alegria soberba.

-             Não! Não! Isto não, pois a soberba é extremamente pecaminosa, gostei deste negócio de “light”mesmo a pesar de não ter sido uma criação prorpiamente minha, seria uma criação da criação. No entanto erra muito quando diz querer ser um soberbo, como queres tu isto, ser repelente, se tampouco isto possuem os reis de teu mundo?

-             Me precipitei, eu quis dizer elegante.

-             Aqui está sua elegância – Ouviu-se um som de estalir de dedos e subitamente aquela alma, que já trajava alguns farrapos carcomidos por vermes que por centenares de anos perpassaram aquele corpo em trajetos dos mais variados, fazendo retalhos dos mais variados, aquela alma subitamente viu-se num belíssimo “smoking” como nos tempos da juventude.

-             Aí está tua elegância, mas agora venha que já é hora, depois do final tenha muito trabalho a fazer, pois como vê novamente irei iniciar o mundo.

-             E nós?

-             Nós quem? Filho arredio...

-             Nós eu.

-             Nós eu? Não há nexo nestas tuas palavras, venha logo e acabarei de uma vez por todas com isso.

-             Não vês, tu que és o Deus, que são as súplicas  que saem como sangue de min?

-             Bem, já que tu tanto insiste, e como minha imparcialidade hoje não está lá muito convicta de si, aliás não sou mais o de antigamente, é: na época de Moises sempre fui bastante imperioso, a humanidade tanto me transformou que tratei de mudar minha postura, hoje meus braças estão abertos até se for o caso para trocar uma lei ou outra. Não dizem por aí que o meio faz o homem? Pois veja você, que o meio foi tão influente que até à Deus fez. Não vou no entanto falar muito à você de detalhes supérfluos, pois sou Deus, e tenho de uma maneira ou outra de demonstrar certa imponência, ao menos para deixar uma boa impressão, sabe?

-             Claro, claro, senhor Deus: tu és o pai e a mãe do universo, sem ti o nada ainda seria nada, e sem ti nem tu serias algo pois é evidente que criaste a ti mesmo.

-             Muito te enganas tu mortal, em verdade, em verdade vos digo: Foi o nada que me criou, e não eu que criei a min mesmo.

-             Mas que diferença isto faz?

-             Muita! O nada têm o poder inicial, a alavanca de partida do universo, é por isto que quando tudo chega ao seu devido final tenho de reduzir a nada novamente, para que seja criado uma vez mais.

-             Que coisa estranha, parece não fazer muito sentido...

-             Há coisas que não têm mesmo sentido, meu filho – Disse Deus ternamente – E temos de nos contentar com isto, vejas tu, que até eu, sendo o Deus único e poderoso do universo, tendo tudo o que quero aos meus pés, não interpretes ao pé da letra, quero dizer pés metaforicamente, pois além de tudo sou abstrato e imaterial, logo condui-se que não tenho pés. Pois então: mesmo eu, ainda não descobri ao certo o sentido da vida.

-             Ai meu Deus! – Falou o espírito rebelde, aterrado pelo que ouvia de Deus, seria o mesmo Deus que ele tanto imaginara enquanto vivo? Logo pôs-se a pensar o quão ignorante era aquele Deus, entretanto como Deus tudo sabe, e dele não se podem ocultar segredos senão aqueles que não se sabe, Deus leu os impropérios que à ele eram dirigidos em pensamento como se estivessem sendo recitados em som alto e claro.

-             Quê dizes de min? Burro e pateta? Mas quê espécie de palerma eres tu ó criatura ínfima e pequena?

-             Não penses isto de min ó querido e amável Deus... – Desconversou o espírito, que argutamente apercebera-se da ocorrência inesperada. – Eu estava justamente pensando sobre um outro Deus...

-             Se é assim, não há quaisquer motivos para reencarnar-te como uma lesma ou lama.

-             Dalai Lama?

-             Não, lama de terra molhada.

-             Que desagradável, eu ficaria logo resfriado!

-             Sim, possivelmente! – Falou Deus convicto de sua vitória, quando na verdade estava sendo ludibriado, pois o outro inventara o suposto “outro Deus” quando apercebera-se de sua crítica situação diante do Criador.

-             Bem já se faz tarde, eu devo ir indo...

-             Indo não! Vindo! Veja ao seu redor.

-             Não há nada ao meu redor, só um branco infinito, uma luz monótona e linear que se faz presente em todos os lugares. Quê luz é esta?

-             Sou eu!

-             Estou em você.

-             Ora estas, é claro que sim! Não somente estás em min como és parte de min, pois eu sou minha própria criação.

-             Quê acontecerá agora? Tenho certo receio de perder à min mesmo...

-             Não te apavores, irá ocorrer tudo o que já ocorreu até agora: da vida se fará mais vida, da luz se fará mais luz, do homem se farão mais homens, e do amor se farão todos os tempos.

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