Wednesday, October 30, 2024

5 - O menino curioso

 

QUINTO CONTO. O menino curioso.

 

      Em uma cidade longínqua vivia um homem bastante curioso, pois seus modos eram de todo extravagantes. Nunca se contentava com as coisas que sua cidade proporcionava. Seu nome era Pablo, era descendente de espanhóis, cabelos negros e curtos, olhos escuros, nariz curvado de estranha conjuntura, pele morena, testa larga e estranha, sangue forte e uma pessoa bastante culta.

       Seu dia a dia era bastante regrado, era uma pessoa bastante exigente, tão séria que proporcionava-se poucos momentos de alegria. Vivia solitário, pois viera de terras distantes a instalar-se nestas terras que ele mesmo considerava ingênuas. Vivia todo o dia escarafunchado em volumes bastante grossos de livros estranhos. Seus vizinhos não gostavam dele pois ele tinha um olhar carrancudo e nunca falava com ninguém, era isto para as pessoas sinal de que ele era mago ou coisa parecida, ninguém ousava proferir uma palavra diante de sua pessoa já que tinham muito medo.

      Ocorreu que um dia um garoto bastante maroto e aventureiro, crendo que Pablo fosse um ser maligno quis por um fim em seus planos diabólicos, e este garoto, envolto em suas idéias imaginativas decidiu que um dia iria entrar na casa, não sabia de que maneira, mas fazia muitos planos para conseguir tal feito.

      O garoto tinha por volta de seus 10 anos, era muito diferente dos outros garotos, já que sua imaginação era tamanha que tomava posse de quase todos os seus pensamentos, talvez decorrente disto pensou ele que Pablo fosse um ser das trevas, sem muitas outras explicações que sua razão pudesse encontrar ele esperou num Sábado chegar a noite, e esperando que toda sua família dormisse pegou uma máquina fotográfica um caderno de apontamentos e saiu de maneira soturna para a rua, e, lá chegando sentiu uma pontada de terror, não sabia o que poderia ocorrer.

      Olhando para a casa de Pablo logo viu que o melhor plano seria escalar a parede dos fundos para escapar à um possível encontrão com o dito cujo. Agora já sentindo um prazer macabro adentrou-se na escuridão sentindo-se como um gato de prazeres malignos, pois pensava que se deveria enfrentar um ser pertencente às forças do mal logo deveria portar-se da mesma maneira. Seus pensamentos eram tais que começaram a transformar sua própria natureza de modo que este garoto se viu cada vez mais consumido em sua própria loucura. Quando escalou cautelosamente o muro deparou-se com uma janela aberta, esta estava mal iluminada, como se chamuscos de luz saíssem dela, logo com grande conotação decidiu que era o momento certo de saltar do muro para a janela, e sem dificuldades o fez. Pois foi isto que ocorreu, e entrando na casa deparou-se com muitos livros jogados por todos os lugares. Era um quarto semi iluminado, os livros eram jogados de qualquer maneira, como se houvesse ocorrido uma verdadeira confusão dentro daquele quarto. Muito feliz por haver trazido sua câmara fotográfica logo começou a tirar fotos e documentar a proscrita situação no seu livro de notas.

      A porta deste quarto se encontrava semi-aberta, a luz advinha desta abertura, e parecia ser luz de vela já que era uma luz inconstante, pois o garoto todavia mais absorto em seus pensamentos entrou num estado de letargia mental, se viu encontrando com o homem misterioso dormindo, porém foi uma visão produzida por sua própria imaginação, e por momentos sentiu que não conseguia com perfeição distinguir se já estava no quarto de dormir ou ainda naquela sala cheia de livros. Despertando-se daquele estado de letargia mental viu-se deitado acima de muitos volumes de livros, e, levantando-se de súbito muito assustado colocando uma das mãos na parede para apoiar-se tentou recordar-se dos últimos acontecimentos, e viu-se pulando um muro e entrando num quarto cheio de volumes, logo utilizando sua razão achou que aquilo tratara-se de um fato deveras extraordinário, pois tivera certeza que vira o cadáver de Pablo jogado em uma cama, não, logo pensou que aquilo realmente fora um sonho e tendo-se finalmente acordado de tal acontecimento fantasioso prostrou-se em posição defensiva diante daquela porta entreaberta, tinha muito medo de ser descoberto, a luz de vela brilhava com ardor, e quando com a mais suprema cautela possível encontrar em um ser humano de sua idade se aproximou do corredor viu que na verdade aquilo era muito estranho pois diante dele não estava um simples corredor mais um verdadeiro túnel. Por momentos achou que estava em um sonho, mas logo certificou-se de que a arquitetura daquela casa não era como aparentava ser quando vista de fora, pois nunca imaginara que pudesse haver um túnel daquela conjuntura numa casa tão pequena. Pois num ato de bravura penetrou no túnel, que era iluminado por candelabros colocados alternadamente nas paredes.

       Lembrou-se neste momento de alguns contos medievais que lera, pois era muito parecido este corredor com alguns dos contos e histórias de tempos antigos, era composto de pedras gigantes, era úmido e bastante lodoso, de forma que não tinha tanta segurança enquanto caminhava por ele, parecia que já havia caminhado cerca de 500 metros e julgava que havia um leve declive no transcurso do corredor, quando chegou a outra porta entreaberta, desta porta saía um tipo de iluminação bastante diferente, pois era uma iluminação verde. Inscritas na porta estavam palavras de idioma desconhecido, o garoto ficou neste momento ao mesmo tempo assustado e curioso, pois era tamanha a sua imaginação que logo quis traduzir uma palavra ou outra, porém foi bastante infeliz neste intento.

      Derrepente começou a ouvir batidas constantes seguidas de um láguido e horroroso gemido de dor e terror, sem esperar mais um minuto entrou sorrateiramente pela porta, penetrando pela escuridão que predominava no local. Deparou-se com uma figura de traços horrendos era uma espécie de dragão misturado com cavalo, chegou à esta conclusão pelas patas de cavalo e uma crina bastante esvoaçante, mesmo na ausência do vento. Ficou muito assustado, via com muita clareza que este dragão consumia centenas de livros, se apercebera que o olhar do dragão era exatamente o mesmo que tinha Pablo quando andava nas ruas da cidade, bastante taciturno, porém, aos poucos este dragão começou a transformar-se em Pablo, aquela figura tão desconhecida em sua verdadeira essência na cidade, e aos poucos o horror do garoto transformou-se na mais pura simplicidade e curiosidade, pois, à medida em que ocorreu a lerda transformação do dragão, o menino não sabia se deveria se esconder atrás de umas estantes cheia de livros ou se expor um pouco mais de modo a ver o que estava ocorrendo.

      De uma forma mágica o dragão finalmente havia transformado-se totalmente na figura de Pablo, sentado em uma cadeira iluminada por um candeeiro, havia também uma mesa muito ornamentada com lindas curvas, que representavam figuras estranhas, e, algumas delas foram reconhecidas por nosso aventureiro, eram exatamente 5 dragões, noutro canto viam-se livros esculpidos na própria madeira. O garoto sem quaisquer pavores levantou-se impetuosamente, correu em direção à outro canto da sala a ver se encontrava uma saída do lugar, porém para seu engano nada havia naquele canto, e constrangido com isso agachou-se, para sua infelicidade viu que Pablo tirou o olhar do livro voltando-se exatamente para o canto em que ele encontrava-se, e ruborizou-se de medo pois poderia ele transformar-se em um dragão a querer devorá-lo sem quaisquer piedade.

      Para seu engano Pablo vendo-o travou a seguinte conversação:

-          Quê faz aqui garoto?

-          Eu?

-          Com quem mais estaria falando?

-          Pois não sei, senhor...

-          É contigo.

-          Nada faço. – Atalhou o garoto muito cautelosamente.

-          Pois é você um intruso em minhas instalações.

-          Desculpe, mas o fato é que queria saber quem é você, pois há muito tempo todos desta cidade vivem com receio de falar-lhe algo inteligível, e você igualmente mostra-se taciturno e indiferente, eu já tenho minha própria opinião ao seu respeito.

-          Pois qual é a tua opinião vizinho?

-          Justamente que você é um mago bastante esperto, pois consegue transformar-se em dragão comedor de livros, fato bastante inóspito nesta cidade, pois em toda minha vida – Disse ele enfaticamente como se já houvesse vivido 100 anos -  Em toda minha vida nunca vi um dragão comedor de livros.

-          Isto posso explicar-lhe.

-          Há de explicar, por certo que sim.

-          Então preste atenção na seguinte história: Era eu garoto como é você, e vivia com grande justiça nas terras agrárias de meu país, cujo nome não julgo necessário proferir, e num abençoado dia chegou-me um mago perguntando-me se queria eu utilizar meus poderes de outra maneira, perguntei à ele de que poderes estava falando pois acreditava que não tinha quaisquer poderes até então, pois ele me disse que eram os poderes mentais. Eu não sabia que raios significava aquilo, e, num ato súbito saí correndo maldizendo este mago até as ancas de minhas gargantas corroerem. Pois dias depois ele apareceu defronte à uma árvore como que de forma inusitada, sem que me apercebesse vi que ele tentava explicar-me sobre os tais poderes mentais, já mais amenizado de minha própria ira decidi ouvir a enfadonha explicação até o final, e, apesar de haver demorado cerca de 3 horas infindáveis acabei entendendo que podemos tomar diversos tipos de posturas mentais durante a vida. Totalmente maravilhado com a novidade decidi ser filósofo, e hoje vejo como realmente foi importante a interferência deste mago em minha vida, pois sendo eu um pensador posso agora dissertar sobre a vida de forma abrangente de modo que eu saiba melhor que ninguém do que se trata a vida e todos os seus detalhas.

-          Realmente, - Disse o garoto impressionado com a explanação – Nunca houvera pensado nisso antes... Mas na verdade em quê consiste isso de posturas mentais?

-          Pois vou lhe explicar...

Após exatamente três horas:

-          Nunca imaginara isto antes – Disse o garoto absorto em seus pensamentos.

-          Essa é a verdade.

-          Irei eu também transformar-me em dragão se assim proceder?

-          Em um verdadeiro devorador de conhecimento.

-          Quando chega o tal certificado?

-          Depois de um ano.

-          Tão tarde?

-          Lembre-se de nunca contrariar as regras.

-          A filosofia não é a constante discussão e busca de novas verdades?

-          É, mas em nosso caso há alguns limítes implícitos.

-          Por quê?

-          Para que não fiquemos perdidos em nossas próprias imaginações.

Assim, após as esclarecedoras explanações de Pablo o garoto imaginou-se já transformado em um dragão, que comia desenfreadamente livros dos mais variados laivos. Voltou correndo para casa antes que amanhecesse, já que saíra de forma escondida, sua mãe não poderia saber deste segredo.

      Logo de manhã, quando despertou ficou curioso em saber como estaria Pablo, e decidiu entrar pela mesma janela pela qual entrara na noite anterior, quando entrou ao contrário do que supusera tudo estava na mais perfeita ordem, os livros nas estantes ordenados por números e assuntos, e quando arriscou um olhar ao corredor estranhou muito, pois era um corredor comum de qualquer casa que pudesse existir, era de no máximo 8 metros segundo seu ponto de vista, havia ele corrido tanto para sair de lá, e era todavia de paredes normais, e não construído com grandes blocos como antes se havia apresentado. Havia aquilo sido alguma espécie de alucinação. Tornou a sua casa extremamente pensativo, e ficou em dúvida se realmente havia feito ou não um acordo com um dragão que era o próprio Pablo.

      Sentou-se em sua escrivaninha de estudos escolares e tentou lembrar-se do ocorrido de sua expedição noturna, tentando relacioná-la com o que vira de manhã, porém para seu desfalecimentos as imagens pareciam confusas e transformadas. Não se ateve somente a pensar, pegou sua máquina fotográfica levando os filmes para revelar, lá estavam para a constatação de seus distorcidos pensamentos de um monte de livros jogados de tal sorte que parecia a foto de um quarto pós furacão. Esta era a única prova que portava do acordo que houvera feito com Pablo.

      Nos outros dias Pablo tratava-o com a mesma indiferença e taciturnidade de sempre, fato que não estranhou já que pensara que era aquela uma seita secreta. Foi assim que o garoto, por mais que estivasse consumido em uma suposta loucura transformou-se em um grande pensador, pois utilizou sua sabedoria de forma assaz interessante, consumindo-se com estudos de natureza teórica ao contrário do que segundo ele todos faziam, ou seja: preocupar-se tão somente com as problemáticas de cunho prático da vida.

      Conclusão: Notamos que este conto retrata de maneira deveras pictórica algo de que abordamos no capítulo 20 – Uma realidade sujeita à discussão. E vemos que a própria curiosidade do garoto fez com que tornasse um filósofo ou pensador, tanto como Pablo que num princípio não quis ouvir idéias enfadonhas, mas depois abstivera 3 horas escutando para se tornar um dragão devorador de livros.

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