SEXTO
CONTO: Um sonho, uma corrida.
Sou um
viajante! Podem os senhores me chamar de professor Prúbius, ministro aulas de
psicologia, retórica, religião, química, física, moral e política, somente
classes particulares, aos filhos de grandes reis, nobres e pessoas ricas e
distintas, isto porque sempre recebem uma educação diferenciada. É evidente que
não se misturam ao populacho. Desejo agora por ímpetos sentimentais contar uma
história de caráter essencial: Certa vez, numa insólita viajem, numa destas
minhas viajens à caminho de Sória, num cavalo já fatigado, com poucas coisas
que comer numa longa estrada e num calor insuportável tive a sorte de encontrar
uma estalagem, esta, que no momento me pareceu mais uma miragem que outra coisa
dado ao meu estado físico e psíquico. Ali presenciei uma conversa bastante
interessante, entre próprio dono do lugar e uma mulher opulenta e dessajeitada,
intentarei descrever agora para vocês o que ali se passou da maneira que julgar
mais adequada, pois assim entender-se-á de maneira mais clara o contexto pelo
qual salvei-me não só do tormento da fome e cançasso como também de muitos
outros tormentos que poderiam advir de caminhos errados e pérfidos que tomaria
eu caso não fosse testemunho desta conversa, a qual por consideração à min e
aos palestrantes designei como gloriosa conversa, fora talvez tudo isto um
sonho, provindo de obtuzos neurônios e de uma transcedência inacreditável...
Por quê os sonhos insistem em trazer mensagens cheias de metáforas e
abstrações? Por quê? Por quê não são eles tão plenos como a própria e desperta
vida? Será nossa consciência profunda de tamanha abstração? O fato é que os
sinais que tive não tinham grandes probabilidades de ser sonho, pois foram
bastante reais, mesmo que no retorno, após ministrar as aulas aos filhos de
grandes e honoráveis nobres, não tenha eu encontrado a estalagem à qual
pernoitei durante a ida. É fato que pudera eu ter-me perdido por outra estrada,
mas à isto não consigo compreender, pois conheço aquelas paragens como a palma
de minha mão, assim, com esta confusão, fico eu próprio duvidoso, e me pergunto
se não é agora que estou sonhando ter despertado da estalagem, ou ainda não
despertei sendo minha atual vida. É melhor acreditar que nunca tenha eu dormido, por mais estranho
que pareça, tenho de me ater à este pensamento, fico mais seguro em achar que o
mundo no qual piso é real, por serto eu como todos vocês temos medo daquilo que
não é real ou é arbitrariamente volátil, mas... ( Estou horrorizado, por isto
vacilo nas palavras. ) Se estou sonhand... Devo então ter medo da vida? Ó
dúvida cruel! Minha única segurança é a morte, pois ali não estarei sonhando
tampouco desperto, exume-se o medo da dúvida. Já sei! Já sei! Empertiguei-os de
sobremaneira com mesus medos, e dúvidas...
Iniciarei a história de que lhes prometi o quanto antes, não obstante todos
aqueles que ousarem ler estas documentos merecem antes a consideração e estar
cientes da fidedignidade dos fatos aqui apresentados, sejam eles sonhos ou não.
E não me venham com contradições, desmerecimentos ou desrespeitosos
comentários, apenas leiam!
Tomou
aquela cerveja e disse à si mesmo: - Ó mas que prazer incomensurável! – É por
certo entendível que tenha Júlio Cezar dito isto a si mesmo, pois, naquele dia
tinha feito ele mais uma de suas corridas e sempre que corria tinha
indescritível prazer em tudo o que fazia. Seja beber uma cerveja, um suco ou
requintar uma bela degustação. Tudo parecia ser novo, belo, mágico, misterioso
e magnífico. O personagem deste nosso conto, por certo era um corredor, não era
dono de qualquer império senão de uma estalagem, na qual já haviam pernoitado
várias personalidades: cavaleiros, escritores, editores, médicos,
halterofilistas, lindas modelos, mulheres barbadas, assassinos, ladrões,
idiotas, gênios, guerreiros e até donos de outras estalagens. Eram pessoas das
mais variadas dinastias, distinções, consignações, méritos, qualidades,
estirpes, níveis, diferenças e classes sociais. Estes se reuniam todas as
noites no refeitório da estalagem, um refeitório que por natureza era bastante
escuro, ofuscado por estranhas imagens de criaturas das mais pitorescas,
estas se prostravam em quadros em óleo e
esculturas de tamanho considerável, chegando à altura de um homem de estatura
mediana.
Aquele
estranho recinto era sempre inundado de música, com músicos de cabal
habilidade, com técnicas pianísticas, violinisticas e violinisticas de igual
proporção. Tudo era diferente, desde as pessoas até o próprio lugar, decorado
com tapetes árabes de desenhos belíssimos e mesas de madeiras compridas e
agastadas, após tomar uma boa copa de cerveja Júlio Cezar, por curiosidade,
lazer, passatempo ou para mensurar a qualidade de seus serviços incitava, de
maneira bastante criativa uma conversa qualquer com seus clientes, sendo ele já
um homem de 50 anos bastante jovem em espírito nunca he faltavam assuntos ou
meios a que entoasse a conversa, seus lábios se comprimiam demonstrando um
interesse mordaz por qualquer que fosse a origem ou a raiz do assunto, o
importante era por certo deixar o cliente satisfeito, nem que para isto tivesse
de contrariar seus próprios princípios. Notou então que na sua frente, em meio
àquela bruma desconhecida que sempre invadia o refeitório, estava uma mulher
com duas crianças de colo, dando aos pequenos uma sopa e comendo um belo frango
assado, a mulher parecia embestada com tudo o que fazia as crianças insistiam
em brincar com uns joguinhos de madeira, provavelmente do Pinóquio. Somente
neste momento Júlio se apercebera o quanto se abstraíra da realidade, pois
breves momentos antes o sabor da cerveja havia lhe parecido tão sublime que
sequer percebera o holocausto que se defrontava diante de si, então pensou
consigo mesmo que a vida era em sua mais profunda essência dividida nos
parâmetros dos prazeres, pois aquele prazer havia sobrepujado qualquer outra
coisa, mesmo que fossem aqueles ruídos impertinentes e exacerbados dos
pestinhas. Assustou-se com o próprio colóquio, pois era um estalajadeiro
simples e humilde, não tinha muitas pretensões na vida, entretanto outro
pensamento invadiu-lhe a consciência: - É fato, não obstante, que a pesar de
minha aparente simplicidade tenho muito apreço em conversar com qualquer pessoa
que por aqui possa aparecer, e isto pode ter contribuído de alguma maneira para
minha formação. – Tudo isto passou-se num brevíssimo momento, o fato assim está
colocado pelo justo motivo de que a descrição aqui presente é detalhada e
recheada de variadas colorações, fazendo com que pareça que o tempo que Júlio
está na mesa fazendo suas ponderações e observações é deveras extenso,
entretanto é fato que o conceito de tempo nas histórias, ou nos contos dos
livros não são em nada condizentes com aquele que passa no mundo, pois podem
transcorrer de maneira vertiginosa ou mesmo mais devagar que uma tartaruga (
como neste caso ). O fato de passar lentamente é muito mais atrativo, já que
conseguem superar os detalhes da realidade de um filme, e pasmem: da própria
realidade! Este por certo é o maior e insubstituível diferencial da escrita
quando em comparação com outros meios de expressão, e quando com audácia mordaz
e vociferante se compara com as observações da própria realidade. Quê são as
observações que fazemos das pessoas e das coisas senão uma escrita? De maneira
triste e infeliz constatamos ( Constato eu )
que a escrita do mundo real é
improvisada e por isto muitas vezes nasce desordenada, provocando com
isto parcas noções da própria realidade. Em contraposição à esta inesperada
conclusão encontra-se a escrita dos contos, que pode de maneira organizada ser
posta no papel, e por isto ser considerada como a maior noção que pode se ter
da vida. Isto pode somente ser afirmado quando nos referimos no âmbito
racional, pois nem toda ferramenta é perfeita ( procure e logo verá que há
defeitos. ), decorrentes à defeitos, a linguagem escrita não consegue, por mais
que tente, transmitir sentimentos. É fato real que o sentimento é uma energia de sensível constituição, e para ser
transmitido depende de um receptor igualmente sensível. Um bruto não pode
perceber os mais refinados sentimentos de um homem ou mulher sensível, pois
este se esconde misteriosamente nos recônditos mais misteriosos da alma.
Mediante minhas ponderações intrusas, adequadas ou não ao momento, noto que há
já uma nova percepção, pois o defeito não estaria na ferramenta da linguagem
escrita, mas sim naquele que recebe a mensagem, ou mesmo o sentimento
propriamente dito. Tudo isto não está especificadamente relacionado às
inusitadas situações proliferadas no conto, como sabeis, entretanto, eu como
tendo uma função educativo pedagógica bastante viva em minhas viagens, através
de condados e reinados dos mais variados vejo como imprescindível o
esclarecimento ao leitor ávido ou mesmo ao mórbido. Sem mais delongas é fato, e
algo bastante evidente, que quem iniciou a conversa foi Julio Cezar:
-
A senhora me parece bastante atarefada... – Comentou fingindo
desinteresse, olhando às duas crianças, que relutavam em comer mas se
agraciavam com os juguetes.
-
É, como pode notar, estes dois não me deixam em paz, tenho ainda de
cria-los e a mais outros três. – Respondeu resignadamente a mulher enquanto
dava um tapa num dos fedelhos sem no entanto lograr qualquer resultado, ele
simplesmente revidou empurrando o prato de sopa à frente.
-
Quê curioso, parece-me que não é nada fácil formar estas crianças,
parecem mais uns animaizinhos desregulados. – Disse Júlio, sem se importar com
os termos postos em vigência.
-
Mas quê insinuas o senhor? – Perguntou a mulher em tom de fúria,
extremamente indignada com a colocação daquele homem. - Posso muito bem cuidar
de todos eles, mesmo a pesar deste trabalho inacabável. Quem é por um acaso o
senhor? Talvez um mendigo qualquer...
-
Não. – Disse ele, sem graça, olhando ora para um lado ora para sua
interlocutora, como se assim, neste movimento inusitado e retardado quisesse
lembrar ou concatenar qualquer pensamento, ou mesmo ganhar tempo. – Certamente
minhas palavras tiveram um peso desmensurado, é que notei a impertinência dos
dois, achando que isto pudesse estar conturbando sua paciência acabei por
proferir uma asneira. Desculpas. – Aproximou seu rosto por entre a esfumaçada
mesa inclinando seu rosto, em seu íntimo não se arrependia de nada que dissera,
mas por via de regra sempre tomava as atitudes que mais se adequavam às
ocasiões. – Sabe que aqui nestas paragens não se encontram muitas crianças, são
tão desérticas as estradas que geralmente lhes custa muito a viagem, disto
ponho minhas considerações aos seus filhos, sabe? É uma obstinação de méritos
plausíveis... Uma viagem destas...
-
É? – Disse ela, já amainada pela qualidade dos elogios, mostrando agora
suas feições convidativas e serenas. – Então estás o senhor ciente das
dificuldades que estes tenebrosos percauços oferecem?
-
Claro, claro minha amiga... – Disse Cezar visando espertamente criar
certa intimidade nas palavras. – Disto já sabia há muito, as trilhas são muitas
vezes sinuosas e por outras áridas, com o sol que faz por aqui muitos já
definharam no sol dos meses do verão. Ainda assim todos insistem em visitar
esta estyalagem...
-
Muito boa por certo – Disse ela satisfeita enquanto metia a colher de
sopa na boca do mais novo, sendo que metade do alimento ficara por suas
bochechas, pois a senhora de tão entretida que estava com Júlio e sua maneira
interessante de falar sequer olhava ao que fazia. – Não à toa que decidi para
cá vir. Esta estalagem é portadora de boa reputação, e têm méritos pela
qualidade tanto do atendimento como à este refeitório de magnífica perfeição.
Mas se me permite perguntar: Quem é o senhor?
-
Sou o dono de tudo que vês! – Disse o homem com pompa e soberba,
bajulando-se de tudo que até então escutara. Fiquei particularmente,
confesso-lhes, enojado da cara que fez com um sorriso que de tão contente
ia-lhe de uma orelha à outra. – Fico extremamente grato com a tua opinião e
aqui inda direi o inicio de tudo isto: Sim, sim: Tudo isto quê vês, e estes
magníficos músicos árabes que agora ouves surgiram de uma idéia que há muito
tempo tive, esta me invadiu o cérebro justamente depois de uma corrida, sim
depois de um treino que fiz pela estrada, foram os dez quilômetros mais
originais que pude fazer. Não sei se consegue me entender, mas é como se a
corrida fosse sim um combustível para outras atividades. Me sinto após tomar meu banho, após o treino
um novo homem, uma nova pessoa, com idéias mais claras, vigor mais renovado e
pré-disposição mais acentuada. Mais alegre, espontâneo, resistente e saudável.
-
És o dono daqui? – Perguntou a mulher abismada, esquecendo até de
mastigar um suculento pedaço de frango. – E ainda correr?
-
Sim, é isto que quis dizer. – Falou ele com empolgação descomunal,
deitando-se ainda mais na mesa quase atravessando-a de todo o corpo. – É, é bom
correr, adoro treinar...
-
Mas corres à cavalo ou charrete?
-
A pé! – Exclamou o homem com brilho nos olhos e numa afirmação
definitiva e desta vez sincera. Foi neste momento que me abismei pelo fato de
que naquele tempo em que vivíamos, ano de 800 D. C. durante a Idade Média não
existia o pedestrianismo tal qual iria nossa sociadade conhecer até que esta
atividade fosse vendida e difundida não como um prazer mas sim como um produto
que gera capital, assim em nosso tempo não havia tal atividade, por isto não
somente eu como a senhora estranhamos a resposta.
-
Ó! – Exclamou consternada. – Mas que desrespeito à Deus e às boas
atitudes. Acaso não tens cavalos?
-
Sim, tenho muitos, mas sinto-me melhor fisicamente quando corro. Quizá
seja a mesma sensação que tenham os camponeses quando plantam ou os escravos
quando carrregam pedras das mais pesadas, entretanto sou um estalajandeiro
humilde e ignorante, não posso dedicar-me exclusivamente à estas atividades e
por isto criei um método de treino original que consiste em correr a pé.
-
É no mínimo loucura, insanidade, por certo algo que jamais fará
sentido. – É pensei eu com meus botões ( Pensa o professor ) talvez esta mulher
opulenta e mundana esteja certa, mas ma sabe era que o ser humano é capaz de
criar seus mais inusitados motivos para tudo o que se possa imaginar.
-
Neste campo posso lhe dizer somente que muito me agrada à isto fazer. –
Disse Cezar, escondendo sua contrariedade ao que fora proferido. – Mesmo que
não seja o costume ou hábito mais comum às terras das cercanias. Entretanto é
certo que nem tudo se pode querer explicar né?
-
É, nisto até que concordo, mas ainda fica claro que considero como uma
profanação à Deus.
O fato
é que estando eu ali sentado, comendo um sanduíche de mortadela à tudo
presenciei e escutei, o do no da estalagem por fim conseguiu após longa
palestra convencer à mulher que aquela atividade era benigna e não maligna,
mesmo que para isto tivesse de ajuda-la na alimentação dos filhos. Não se sabe
por certo se ela aderira à sua opinião por interesses secundários ou por
milagre, mas é fato que depois ainda dançaram os dois uma música bastante
tranqüila e mais tarde ainda escutava-se de meu cubículo outra dança
eufórica. Fiquei, no entanto,
fantasiando sobre tudo o que havia sido dito, e cheguei às margens da loucura.
No outro dia de maneira espontânea experimentei pela primeira vez, pelas
sugestões indiretas, sair correndo de maneira desatabanada e desregulada, até
que depois de algumas semanas consegui espetacularmente regular a corrida, de
modo que agora que não corria somente cem metros senão uns três quilômetros,
vejam que hilário, pois um dos problemas que encontrei com isto foi que pelo
fato de que cada feudo adotava uma unidade monetária, seus pesos e medidas
peculiares não conseguia eu regular nem saber exatamente quanto corria quando
me deslocava por dentre os feudos. Fora isto não podia me pesar à saber quanto
emagrecia, por isto resignadamente e contra a vontade desisti de tentar
mensurar qualquer destas corridas, passando somente a correr, correr atrás de
meus sonhos pois de maneira duvidosa não sabia ainda se estava dormindo o sono
dos loucos ou desperto na mundana vida. Afinal:
devemos é acordar para o sonho da vida!
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