Thursday, October 31, 2024

6 - Um sonho, uma corrida

 

SEXTO CONTO: Um sonho, uma corrida.

 

       Sou um viajante! Podem os senhores me chamar de professor Prúbius, ministro aulas de psicologia, retórica, religião, química, física, moral e política, somente classes particulares, aos filhos de grandes reis, nobres e pessoas ricas e distintas, isto porque sempre recebem uma educação diferenciada. É evidente que não se misturam ao populacho. Desejo agora por ímpetos sentimentais contar uma história de caráter essencial: Certa vez, numa insólita viajem, numa destas minhas viajens à caminho de Sória, num cavalo já fatigado, com poucas coisas que comer numa longa estrada e num calor insuportável tive a sorte de encontrar uma estalagem, esta, que no momento me pareceu mais uma miragem que outra coisa dado ao meu estado físico e psíquico. Ali presenciei uma conversa bastante interessante, entre próprio dono do lugar e uma mulher opulenta e dessajeitada, intentarei descrever agora para vocês o que ali se passou da maneira que julgar mais adequada, pois assim entender-se-á de maneira mais clara o contexto pelo qual salvei-me não só do tormento da fome e cançasso como também de muitos outros tormentos que poderiam advir de caminhos errados e pérfidos que tomaria eu caso não fosse testemunho desta conversa, a qual por consideração à min e aos palestrantes designei como gloriosa conversa, fora talvez tudo isto um sonho, provindo de obtuzos neurônios e de uma transcedência inacreditável... Por quê os sonhos insistem em trazer mensagens cheias de metáforas e abstrações? Por quê? Por quê não são eles tão plenos como a própria e desperta vida? Será nossa consciência profunda de tamanha abstração? O fato é que os sinais que tive não tinham grandes probabilidades de ser sonho, pois foram bastante reais, mesmo que no retorno, após ministrar as aulas aos filhos de grandes e honoráveis nobres, não tenha eu encontrado a estalagem à qual pernoitei durante a ida. É fato que pudera eu ter-me perdido por outra estrada, mas à isto não consigo compreender, pois conheço aquelas paragens como a palma de minha mão, assim, com esta confusão, fico eu próprio duvidoso, e me pergunto se não é agora que estou sonhando ter despertado da estalagem, ou ainda não despertei sendo minha atual vida. É melhor acreditar  que nunca tenha eu dormido, por mais estranho que pareça, tenho de me ater à este pensamento, fico mais seguro em achar que o mundo no qual piso é real, por serto eu como todos vocês temos medo daquilo que não é real ou é arbitrariamente volátil, mas... ( Estou horrorizado, por isto vacilo nas palavras. ) Se estou sonhand... Devo então ter medo da vida? Ó dúvida cruel! Minha única segurança é a morte, pois ali não estarei sonhando tampouco desperto, exume-se o medo da dúvida. Já sei! Já sei! Empertiguei-os de sobremaneira com mesus medos,  e dúvidas... Iniciarei a história de que lhes prometi o quanto antes, não obstante todos aqueles que ousarem ler estas documentos merecem antes a consideração e estar cientes da fidedignidade dos fatos aqui apresentados, sejam eles sonhos ou não. E não me venham com contradições, desmerecimentos ou desrespeitosos comentários, apenas leiam!

       Tomou aquela cerveja e disse à si mesmo: - Ó mas que prazer incomensurável! – É por certo entendível que tenha Júlio Cezar dito isto a si mesmo, pois, naquele dia tinha feito ele mais uma de suas corridas e sempre que corria tinha indescritível prazer em tudo o que fazia. Seja beber uma cerveja, um suco ou requintar uma bela degustação. Tudo parecia ser novo, belo, mágico, misterioso e magnífico. O personagem deste nosso conto, por certo era um corredor, não era dono de qualquer império senão de uma estalagem, na qual já haviam pernoitado várias personalidades: cavaleiros, escritores, editores, médicos, halterofilistas, lindas modelos, mulheres barbadas, assassinos, ladrões, idiotas, gênios, guerreiros e até donos de outras estalagens. Eram pessoas das mais variadas dinastias, distinções, consignações, méritos, qualidades, estirpes, níveis, diferenças e classes sociais. Estes se reuniam todas as noites no refeitório da estalagem, um refeitório que por natureza era bastante escuro, ofuscado por estranhas imagens de criaturas das mais pitorescas, estas  se prostravam em quadros em óleo e esculturas de tamanho considerável, chegando à altura de um homem de estatura mediana.

      Aquele estranho recinto era sempre inundado de música, com músicos de cabal habilidade, com técnicas pianísticas, violinisticas e violinisticas de igual proporção. Tudo era diferente, desde as pessoas até o próprio lugar, decorado com tapetes árabes de desenhos belíssimos e mesas de madeiras compridas e agastadas, após tomar uma boa copa de cerveja Júlio Cezar, por curiosidade, lazer, passatempo ou para mensurar a qualidade de seus serviços incitava, de maneira bastante criativa uma conversa qualquer com seus clientes, sendo ele já um homem de 50 anos bastante jovem em espírito nunca he faltavam assuntos ou meios a que entoasse a conversa, seus lábios se comprimiam demonstrando um interesse mordaz por qualquer que fosse a origem ou a raiz do assunto, o importante era por certo deixar o cliente satisfeito, nem que para isto tivesse de contrariar seus próprios princípios. Notou então que na sua frente, em meio àquela bruma desconhecida que sempre invadia o refeitório, estava uma mulher com duas crianças de colo, dando aos pequenos uma sopa e comendo um belo frango assado, a mulher parecia embestada com tudo o que fazia as crianças insistiam em brincar com uns joguinhos de madeira, provavelmente do Pinóquio. Somente neste momento Júlio se apercebera o quanto se abstraíra da realidade, pois breves momentos antes o sabor da cerveja havia lhe parecido tão sublime que sequer percebera o holocausto que se defrontava diante de si, então pensou consigo mesmo que a vida era em sua mais profunda essência dividida nos parâmetros dos prazeres, pois aquele prazer havia sobrepujado qualquer outra coisa, mesmo que fossem aqueles ruídos impertinentes e exacerbados dos pestinhas. Assustou-se com o próprio colóquio, pois era um estalajadeiro simples e humilde, não tinha muitas pretensões na vida, entretanto outro pensamento invadiu-lhe a consciência: - É fato, não obstante, que a pesar de minha aparente simplicidade tenho muito apreço em conversar com qualquer pessoa que por aqui possa aparecer, e isto pode ter contribuído de alguma maneira para minha formação. – Tudo isto passou-se num brevíssimo momento, o fato assim está colocado pelo justo motivo de que a descrição aqui presente é detalhada e recheada de variadas colorações, fazendo com que pareça que o tempo que Júlio está na mesa fazendo suas ponderações e observações é deveras extenso, entretanto é fato que o conceito de tempo nas histórias, ou nos contos dos livros não são em nada condizentes com aquele que passa no mundo, pois podem transcorrer de maneira vertiginosa ou mesmo mais devagar que uma tartaruga ( como neste caso ). O fato de passar lentamente é muito mais atrativo, já que conseguem superar os detalhes da realidade de um filme, e pasmem: da própria realidade! Este por certo é o maior e insubstituível diferencial da escrita quando em comparação com outros meios de expressão, e quando com audácia mordaz e vociferante se compara com as observações da própria realidade. Quê são as observações que fazemos das pessoas e das coisas senão uma escrita? De maneira triste e infeliz constatamos ( Constato eu )  que a escrita do mundo real é  improvisada e por isto muitas vezes nasce desordenada, provocando com isto parcas noções da própria realidade. Em contraposição à esta inesperada conclusão encontra-se a escrita dos contos, que pode de maneira organizada ser posta no papel, e por isto ser considerada como a maior noção que pode se ter da vida. Isto pode somente ser afirmado quando nos referimos no âmbito racional, pois nem toda ferramenta é perfeita ( procure e logo verá que há defeitos. ), decorrentes à defeitos, a linguagem escrita não consegue, por mais que tente, transmitir sentimentos. É fato real que o sentimento é uma  energia de sensível constituição, e para ser transmitido depende de um receptor igualmente sensível. Um bruto não pode perceber os mais refinados sentimentos de um homem ou mulher sensível, pois este se esconde misteriosamente nos recônditos mais misteriosos da alma. Mediante minhas ponderações intrusas, adequadas ou não ao momento, noto que há já uma nova percepção, pois o defeito não estaria na ferramenta da linguagem escrita, mas sim naquele que recebe a mensagem, ou mesmo o sentimento propriamente dito. Tudo isto não está especificadamente relacionado às inusitadas situações proliferadas no conto, como sabeis, entretanto, eu como tendo uma função educativo pedagógica bastante viva em minhas viagens, através de condados e reinados dos mais variados vejo como imprescindível o esclarecimento ao leitor ávido ou mesmo ao mórbido. Sem mais delongas é fato, e algo bastante evidente, que quem iniciou a conversa foi Julio Cezar:

-          A senhora me parece bastante atarefada... – Comentou fingindo desinteresse, olhando às duas crianças, que relutavam em comer mas se agraciavam com os juguetes.

-          É, como pode notar, estes dois não me deixam em paz, tenho ainda de cria-los e a mais outros três. – Respondeu resignadamente a mulher enquanto dava um tapa num dos fedelhos sem no entanto lograr qualquer resultado, ele simplesmente revidou empurrando o prato de sopa à frente.

-          Quê curioso, parece-me que não é nada fácil formar estas crianças, parecem mais uns animaizinhos desregulados. – Disse Júlio, sem se importar com os termos postos em vigência.

-          Mas quê insinuas o senhor? – Perguntou a mulher em tom de fúria, extremamente indignada com a colocação daquele homem. - Posso muito bem cuidar de todos eles, mesmo a pesar deste trabalho inacabável. Quem é por um acaso o senhor? Talvez um mendigo qualquer...

-          Não. – Disse ele, sem graça, olhando ora para um lado ora para sua interlocutora, como se assim, neste movimento inusitado e retardado quisesse lembrar ou concatenar qualquer pensamento, ou mesmo ganhar tempo. – Certamente minhas palavras tiveram um peso desmensurado, é que notei a impertinência dos dois, achando que isto pudesse estar conturbando sua paciência acabei por proferir uma asneira. Desculpas. – Aproximou seu rosto por entre a esfumaçada mesa inclinando seu rosto, em seu íntimo não se arrependia de nada que dissera, mas por via de regra sempre tomava as atitudes que mais se adequavam às ocasiões. – Sabe que aqui nestas paragens não se encontram muitas crianças, são tão desérticas as estradas que geralmente lhes custa muito a viagem, disto ponho minhas considerações aos seus filhos, sabe? É uma obstinação de méritos plausíveis... Uma viagem destas...

-          É? – Disse ela, já amainada pela qualidade dos elogios, mostrando agora suas feições convidativas e serenas. – Então estás o senhor ciente das dificuldades que estes tenebrosos percauços oferecem?

-          Claro, claro minha amiga... – Disse Cezar visando espertamente criar certa intimidade nas palavras. – Disto já sabia há muito, as trilhas são muitas vezes sinuosas e por outras áridas, com o sol que faz por aqui muitos já definharam no sol dos meses do verão. Ainda assim todos insistem em visitar esta estyalagem...

-          Muito boa por certo – Disse ela satisfeita enquanto metia a colher de sopa na boca do mais novo, sendo que metade do alimento ficara por suas bochechas, pois a senhora de tão entretida que estava com Júlio e sua maneira interessante de falar sequer olhava ao que fazia. – Não à toa que decidi para cá vir. Esta estalagem é portadora de boa reputação, e têm méritos pela qualidade tanto do atendimento como à este refeitório de magnífica perfeição. Mas se me permite perguntar: Quem é o senhor?

-          Sou o dono de tudo que vês! – Disse o homem com pompa e soberba, bajulando-se de tudo que até então escutara. Fiquei particularmente, confesso-lhes, enojado da cara que fez com um sorriso que de tão contente ia-lhe de uma orelha à outra. – Fico extremamente grato com a tua opinião e aqui inda direi o inicio de tudo isto: Sim, sim: Tudo isto quê vês, e estes magníficos músicos árabes que agora ouves surgiram de uma idéia que há muito tempo tive, esta me invadiu o cérebro justamente depois de uma corrida, sim depois de um treino que fiz pela estrada, foram os dez quilômetros mais originais que pude fazer. Não sei se consegue me entender, mas é como se a corrida fosse sim um combustível para outras atividades.  Me sinto após tomar meu banho, após o treino um novo homem, uma nova pessoa, com idéias mais claras, vigor mais renovado e pré-disposição mais acentuada. Mais alegre, espontâneo, resistente e saudável.

-          És o dono daqui? – Perguntou a mulher abismada, esquecendo até de mastigar um suculento pedaço de frango. – E ainda correr?

-          Sim, é isto que quis dizer. – Falou ele com empolgação descomunal, deitando-se ainda mais na mesa quase atravessando-a de todo o corpo. – É, é bom correr, adoro treinar...

-          Mas corres à cavalo ou charrete?

-          A pé! – Exclamou o homem com brilho nos olhos e numa afirmação definitiva e desta vez sincera. Foi neste momento que me abismei pelo fato de que naquele tempo em que vivíamos, ano de 800 D. C. durante a Idade Média não existia o pedestrianismo tal qual iria nossa sociadade conhecer até que esta atividade fosse vendida e difundida não como um prazer mas sim como um produto que gera capital, assim em nosso tempo não havia tal atividade, por isto não somente eu como a senhora estranhamos a resposta.

-          Ó! – Exclamou consternada. – Mas que desrespeito à Deus e às boas atitudes. Acaso não tens cavalos?

-          Sim, tenho muitos, mas sinto-me melhor fisicamente quando corro. Quizá seja a mesma sensação que tenham os camponeses quando plantam ou os escravos quando carrregam pedras das mais pesadas, entretanto sou um estalajandeiro humilde e ignorante, não posso dedicar-me exclusivamente à estas atividades e por isto criei um método de treino original que consiste em correr a pé.

-          É no mínimo loucura, insanidade, por certo algo que jamais fará sentido. – É pensei eu com meus botões ( Pensa o professor ) talvez esta mulher opulenta e mundana esteja certa, mas ma sabe era que o ser humano é capaz de criar seus mais inusitados motivos para tudo o que se possa imaginar.

-          Neste campo posso lhe dizer somente que muito me agrada à isto fazer. – Disse Cezar, escondendo sua contrariedade ao que fora proferido. – Mesmo que não seja o costume ou hábito mais comum às terras das cercanias. Entretanto é certo que nem tudo se pode querer explicar né?

-          É, nisto até que concordo, mas ainda fica claro que considero como uma profanação à Deus.

       O fato é que estando eu ali sentado, comendo um sanduíche de mortadela à tudo presenciei e escutei, o do no da estalagem por fim conseguiu após longa palestra convencer à mulher que aquela atividade era benigna e não maligna, mesmo que para isto tivesse de ajuda-la na alimentação dos filhos. Não se sabe por certo se ela aderira à sua opinião por interesses secundários ou por milagre, mas é fato que depois ainda dançaram os dois uma música bastante tranqüila e mais tarde ainda escutava-se de meu cubículo outra dança eufórica.  Fiquei, no entanto, fantasiando sobre tudo o que havia sido dito, e cheguei às margens da loucura. No outro dia de maneira espontânea experimentei pela primeira vez, pelas sugestões indiretas, sair correndo de maneira desatabanada e desregulada, até que depois de algumas semanas consegui espetacularmente regular a corrida, de modo que agora que não corria somente cem metros senão uns três quilômetros, vejam que hilário, pois um dos problemas que encontrei com isto foi que pelo fato de que cada feudo adotava uma unidade monetária, seus pesos e medidas peculiares não conseguia eu regular nem saber exatamente quanto corria quando me deslocava por dentre os feudos. Fora isto não podia me pesar à saber quanto emagrecia, por isto resignadamente e contra a vontade desisti de tentar mensurar qualquer destas corridas, passando somente a correr, correr atrás de meus sonhos pois de maneira duvidosa não sabia ainda se estava dormindo o sono dos loucos ou desperto na mundana vida. Afinal:  devemos é acordar para o sonho da vida!

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