DÉCIMO PRIMEIROCONTO – A essência do caos
Dentro
de uma pequenina caixa vivia um ser bastante curioso, seus olhos eram azuis,
mas seu corpo era verde, bastante curioso pois tinha o tamanho de uma bola de
sinuca. Não se sabe como surgiu, mas o certo é que num dia qualquer saiu da
caixa, e por ter uma aparência monstruosa assustou-se. Aparência montruosa não
era a dele, mas do mundo que viu ao sair, pois numa larga avenida muitos carros
e caminhões buzinavam e soltavam uma fumaceira desagradabilíssima. Começou a
andar, e sendo do tamanho que era logo quase foi atropelado, queria sair
daquela escura caixa e conhecer o mundo.
Mas
tudo pareceu à ele medonho e perigoso, não sabia como proceder em diversas
ocasiões, a maioria das pessoas não notava sua presença, os que notavam logo
davam um berro ou saiam correndo, pois era uma mistura de lagarto com gente.
Numa destas ocasiões perambulava ao léu numa praça do bairro e um garoto que
ingenuamente brincava de amarelinha, e, não encontrando pedra para jogar o
pegou, jogando-o numa das casas. Mas logo o menino que se chamava Franshauliwisk
ficou abismado com o fato de sua pedra andar. Era um menino míope e não pode
notar a feiúra daquela pedra, logo pegou a pedra extasiado e saiu correndo
pelas ruas da cidade encontrando na metade do caminho de sua casa com o
professor de química Wander.
Wander
era um senhor de idade avançada, com uma barba muito espessa, seu cabelo
teimava em estar sempre em total desalinho, o que ele já não dava mais
importância, os olhos afundados na face detrás de uns óculos redondos e de uma
magreza cadavérica. Andava sempre com milhares de preocupações na cabeça,
pastas e livros nas mãos ossudas e um olhar percrustador.
Franshauliwisk atravessando muitas ruas corria desesperadamente,
enquanto o homem lagarto em miniatura sofria esmagado em suas mãos com o rosto
já vermelho de tanta falta de ar. Até que topou com Wander deixado seu achado
cair à alguns metros à frente.
-
Quê? – Perguntou o professor sem se dar conta do que estava
acontecendo.
-
Professor, eu, eu encontrei uma pedra. – Falou o menino com bastante
afobação.
-
Não quero saber de pedras Franshau! – Resmungou o professor já
continuando sua marcha frenética, deixando o garoto para trás, acontece que foi
em direção do achado, quase esmagando-o se não fosse pela intervenção de
Franshauliwisk com um berro ensurdecedor.
-
Por quê gritas assim? Estás louco ou o quê?
-
Professor Wander, o senhor vai liquidar minha pedra andante?
-
Pedra andante?
-
Sim, é esta aqui. – Proferiu orgulhosamente enquanto apontava seu
achado, e este por sua vez enxergando muito bem limpou por duas vezes seus
óculos para ver se estava realmente vendo o que via e ao notar que não estava
alucinando assustou-se.
-
Mas que monstrinho é este?
-
É uma pedra andante! Eu a achei no parque.
-
Há tempos recomendei a seus pais te porem uns óculos de grau... Não vês
que é um pequeno... Pequeno... Como podemos definir isto? – Pegou o que chamara
por monstrinho e pôs bem perto de seu rosto no intuito de contemplar mais
detalhadamente. E prosseguiu. – Quem ou o quê é você?
-
Venho da caixa. – Respondeu concisamente com uma voz bastante aguda o
lagarto. – Venho das obscuras sendas do papelão e sou o ser mais horrorizado de
que se pode ter noticia... este mundo é terrível.
-
Você ainda não viu nada. E nem queira ver... – Respondeu o garoto num
tom ingenuamente burlesco e ao mesmo tempo desalentado.
Momentos
depois os dois levaram o coitado e perdido para a casa do professor donde nos
fundos havia um laboratório de improviso, cheio de papéis, frascos com líquidos
de todas as cores e tamanhos e algumas gaiolas com ratos de cobaia. De fato o
que aquela estranha criatura vira do mundo não representava sua verdadeira
essência. Qual seria a essência do mundo? Estes eram os pensamentos de Wander
enquanto ouviu a pergunta do desconhecido achado e a resposta descompromissada
de seu aluno. Talvez este estranho animalzinho não tenha conhecido o mundo em
sua verdadeira essência, pois é certo que nosso planeta tem seus aspectos bons e maus, tudo dependerá
tão somente do modo como estamos interpretando as coisas que vemos ao nosso
redor, é possível que seja um extra-terrestre, será ele um ser bom ou mau? Sua
aparência é bastante feia! Esta pele esverdeada... poderíamos dizer que se
parece um pequeno monstro. Mas ele próprio parece ter ficado assustado conosco.
Será que estou precisando fazer a barba? Não, não creio que seja isto, pois as
aparências não querem dizer nada, são tão insignificantes quanto a
interpretação que fazemos das coisas, o mais importante são as coisas por elas
mesmos, ou seja: as essências. É evidente que não podemos conhecer as essências
se não interpretarmos elas através de nossos sentidos e experiências para
formar uma opinião sólida à respeito delas. Logo nada do que conhecemos é tão
real quanto a essência verdadeira destas coisas. Sim, chego à conclusão de que
mesmo que o interprete como feio e terrificante este ser pode ele ter uma
essência completamente diferente, estaria eu através de meus conceitos formando
uma realidade distinta da própria realidade. O próprio lagarto julgou nosso
mundo como horrível, talvez tenha sido precipitado em suas conclusões, mas vejo
sim que a verdade é que não existe um ser na galáxia toda, incluindo qualquer
tipo de lagarto transmorfo que tenha uma concepção igual da realidade, já que
tudo depende exclusivamente da interpretação. E ainda por cima estas interpretações
nunca podem ser perfeitas, logo nunca conheceremos a essência da realidade! É
isto! As abelhas, as plantas, os peixes, os moluscos, macacos, feras, lagartos,
elefantes homens e formigas têm diferentes contatos com a realidade e
interpretam de maneira diferente o que vivem, as mesmas coisas são vistas de
diferentes modos logo não existe um mundo mas infinitos mundos. A pluralidade
destas interpretações nos levaria ao caos... Como conseguimos viver em
sociedade?...
Enquanto
o professor fazia no caminho de sua casa sérias reflexões filosóficas, o menino
conforme havia insistido levava cuidadosamente o supremo extra-terrestre, assim
passaram a chamar até chegarem aos fundos de sua casa onde estava um
laboratório relativamente bagunçado. Ao chegar o professor jogou suas pastas e
livros num velho sofá listrado de verde, já bastante judiado que se posicionava
ao lado da porta, onde no chão um grande tapete amarelo se colocava com os
seguintes dizeres: Que a química perpasse teus neurônios!
Ali
colocaram delicadamente o animalzinho numa mesa cheia de frascos, recipientes e
livros de químicas.
-
De onde vens? – Perguntou Wander com curiosidade científica.
-
Quem ou o quê é você? – Perguntou Mambu, pois assim era seu nome.
-
Eu? Sou um professor de química.
-
Não meu senhor. – Respondeu ironicamente Mambu que conhecia muito da
vida e da essência das coisas. – O senhor não é um professor de química mas sim
Wander: um ser humano dotado de infindáveis capacidades, sentimentos e dotes, e
pode utiliza-los ou não conforme seu desenvolvimento geral na vida. Não deves o
senhor se ater às insignificantes designações e concepções de parcelas
pequeninas da vida, deves sim saber que um profesor de química não é ser, mas
sim ter, pois vossa senhoria detém o conhecimento sulficiente para ministrar
aulas desta matéria. Farei agora outra pergunta: O senhor respeitabilíssimo é o
que faz?
-
Nunca parei para pensar nisto... – Balbuciou Wander impressionado com o
nível de dicernimento daquela criatura que até então julgara ser um
extra-terrestre ignorante, tão somente pela análise que fizera de sua
aparência, enquanto isto o menino sem sentender patavinas daquela conversa se
atinha à olhar Mambu com uma grande lupa que encontrara por qualquer lugar do
laboratório.
-
Responda! – Falou imperiosamente o transmorfo, como um rei.
-
Se sou o que faço? Agora que você me disse isto consigo pensar de
maneira translúcida que na verdade não sou o que faço, portanto não posso ser
um professor, mas sou sim um objeto externo à tudo que possa fazer. Sim vejo
muito bem que não sou professor mas uma essência mais profunda que possui a
ínfima capacidade de ensinar química!
-
Meu nome é Mambu, sou um ser que poucos sabem de onde vim, não posso
dizer de onde exatamente, mas sim de uma grande escuridão. Àqueles que querem
saber talvez poderão algo descobrir, mas nunca de fato saberão a exata
realidade de minhas origens, pois já que ninguém têm o mesmo conceito de
realidade ela mesmo não existe, o que existe é uma distorcida noção das
coisas... Veja vossa reverência que tampouco sabe quem és, se não sabes quem és
como saberá então o quê é o mundo?
-
É evidente que se não sei quem sou não poderei saber o quê é o mundo. É
como dizer que uma árvore que não sabe que têm folhas não poderá fazer
fotossíntese, e logo não poderá saber que existe o sol, ou terá uma noção muito
distorcida do sol. Ou um operador que não sabendo mexer numa máquina nunca
saberá onde poderá chegar com esta máquina. Ou um homem que não sabendo dirigir
carro nunca saberá existirem outros países no mundo.
-
Exatamente isto meu amigo, vejo que entendeste algo das essências das
idéias. – Disse consignado mambu colocando suas pequeninas mãos no queixo com
um ar de sábio sentando-se num livro de química avançada. Sendo que
cuidadosamente antes de sentar-se tirou com um pano, que não se sabe se tirou
de um bolso oculto ou encontrou ao acaso, o pó depositado no livro. –
Finalmente chegamos à algum lugar, mas como disse à você, este mundo me
assusta, primeiro este menino achando que sou uma pedra me atira longe... Depois
me espreme como limão...
-
Veja Mambu que é míope, e já insisti no fato de que já passou da hora
de adquirir um óculos de grau...
-
É sobre isto que estamos falando: a visão que ele têm da realidade é
diferente, distinta e única.
-
Não estás falando em tom de burla?
-
Não, não! Isto se aplica desde às situações mais simples às mais
abstratas e filosóficas...
-
Claro. – Resignou-se o cientista, como se de nada tivesse duvidado.
-
E veja você, meu caro, que ainda por um momento, após muitos anos tive
a audácia de sair das brumas obscuras de minha caixa, que eram para min
bastante agradáveis, e quando tive o contato com o que considerei como
realidade me abismei: aqueles caminhões e carros poluindo, pessoas querendo
pisar em mim, muitos gritando quando me viam, outros saiam correndo. Tive muito
medo, e por momentos quis voltar correndo à minha caixa.
-
É verdade, é muito duro enfrentar a realidade, principalmente quando se
descobre que ela é muito mais ampla do que se supunha... – Contextualisou o
cientista.
-
Tentei enfrenta-la de cara, de modo que este menino me encontrou.
-
Mas ele não via a realidade exata, e por isto não saiu correndo.
-
O senhor está supondo que é melhor se manter distante da realidade para
se viver melhor?
-
De certa forma... – Confirmou Wander
-
Sim, devo concordar com vossa excelentíssima reverência que é muito
mais cômodo desconhecermos à nós e ao mundo para viver mais facilmente: sem
mudanças, sem adaptações, sem arriscar, sem perigo, sem diversidade e
finalmente: Sem dilema, pois dilema significa a essência da descoberta da
essência.
-
Dilema? – Perguntou o cientista interessadamente com os olhos
arregalados, já servindo um frasco bem pequenino de água para o lagarto tomar.
-
Sim dilema! Dilma é essência, é vida! Sem ele não há mudança... Mas que
coisa deliciosa! Quê é isto?
-
Água. – Respondeu Franshauliwisk
interferindo na conversa da qual pouca coisa entendia enquanto olhava
com graciosidade Mambu tomar água.
-
Água! É de um frescor inigualável... Veja você que se eu não me
arriscasse a toma-la jamais sentiria o prazer e preenchimento que ela
proporciona, mas é certo que por momentos passei pelo dilema de tomar ou não
algo desconhecido, conhecer o desconhecido proporciona um dilema pois traz à
tona uma nova realidade.
-
Isto quer dizer que além de cada um ter uma interpretação das essências
diferentes e por isto viverem realidades diferentes estas realidades estão em
constante mudança?
-
Exato! A menos que sejam comodistas e faltem-lhes a vontade de saber
quem são, neste caso a realidade se mantêm constante, ou melhor: ficam muito
mais distantes do real que se estivessem no porssesso de mudança... Sair da
caixa, e de muitas outras caixas que nos embrulham...
-
Isto não traz o caos? – Perguntou o menino de maneira criativa, mas
ainda assim fazendo interessante colocação, logo o lagarto olhou para ele e
colocou o frasquinho que lhe servia de copo no livro.
-
Sim: tudo é caos e tudo é essência! – Falou impetuosamente o lagarto.
Todos
então, após esta frase consisa e avassaladora ficaram prostrados um diante do
outro num silêncio mortal, era um silêncio vivaz e esclarecedor, de repente o
lagarto começou a desaparecer, estava se desintegrando, muito brilho cor de
ouro lhe preencheu, de modo que aquilo se afigurava como uma espécie de passe
de mágica. O professor, sem saber o que falar olhou ao aluno, e o aluno olhou
ao professor como se quizesse uma explicação, de súbito o mesmo aconteceu aos
dois que começaram a desaparecer com aquele estranho brilho cor de ouro, logo o
laboratório de química ficou completamente vazio, a lupa pareceu cair em câmera
lenta ao piso de mármore fazendo um ruído impreciso.
Algum
tempo depois no mesmo processo desapareceram os livros, os cadernos, frascos,
líquidos, as mesas, o sofá esverdeado, as paredes o teto e o próprio chão do
lugar, de modo que donde era um laboratório ficou um intenso negrume. Coisa
bastante estranha. Rapidamente aquele brilho maravilhosamente lindo perpassou
por toda a casa, a vizinhança, as ruas, prédios, praças, monumentos, estádios,
museus, teatros, e a cidade desapareceu numa escuridão total, e, antes que os
jornais pudesem disto fazer alguma noticia o mundo desapareceu juntamente com o
universo, e tudo ficou totalmente escuro de modo que o tudo parecia o nada.
Até que
então alguém resolveu, depois de muito tempo de escuridão dar um passo, depois
deste passo mais outro, até se seguir uma cadência de passos que formou uma
caminhada, que foi depois de alguns minutos impedida por alguma coisa... Era
uma parede de papelão, que foi com audácia rasgada, e vejam só que o mesmo
lagarto saiu na mesma cidade, mas seus olhos estavam diferente, parece que
naquele momento ele via a si mesmo e ao mundo de modo distinto.
No comments:
Post a Comment