DÉCIMO CONTO: A metamorfose de Draj.
Ocorreu que
num vilarejo, numa remota antigüidade um homem de caráter muito sério vivia
transtornado com sua vida, sua sina era transformar-se numa personalidade
importante da comunidade, porém nada tinha senão uma tenda de artesanato, com a
qual ganhava seu pão. Porém certo dia foi inusitadamente surpreso com a
presença de um ser muito estranho. Fábio, o artesão não suportava desleixes em
seu trabalho, seus discípulos sempre que cometessem erros inoportunos eram
severamente castigados, porém Fábio os recompensava dignamente com presentes e
boas quantias de apreciáveis moedas quando trabalhavam corretamente.
Num dos dias
em que castigava um dos discípulos com fortes açoitadas de chicote, por este
apenas haver derrubado um vaso sem a intenção, Fábio se deparou com uma
assombrosa aparição. O discípulo, que era um garoto de seus 11 anos de idade
nada viu, acreditando que seu mestre estava louco enquanto falava sozinho.
Fábio via um monstro de três chifres, horrível com um bafo aterrador e fétido
como esgoto. Sua aparência era bastante medonha, já que tinha dentes afiadíssimos
e olhos verdes vivos, enquanto que a cor de sua pele era algo entre vinho e
marrom.
-
Quê fazeis com o menino criatura?
-
De quê se trata você horrenda criatura? – Balbuciou
Fábio.
-
Sou aquele que julga a todos e a tudo, meu nome é Draj.
Estou aqui não para atormentar-te como faz você com esta outra criatura, mas
para avisar-te de que os exageros não são bons, nem para o lado bom tampouco
para os feitos infernais.
-
O que quer de min?
-
Não vês que é este um aviso? Se não me teme a figura
ensinar-te-ei que isto que fazes não é correto perante as leis.
-
E o quê é correto?
-
Apenas a moderação.
-
Não vos acredito.
Dizendo isto
Fábio prosseguiu com as chibatadas no garoto, este gritava a cada chicotada,
porém no mesmo momento o artesão foi surpreendido por um golpe de Draj, que
deixou uma grande ferida em um de seus braços, se até este momento ele não se
importara com o que dissera Draj agora se dava conta de que era um castigo por
sua imprudente atitude. O garoto que até aquele momento, a pesar da situação,
acreditava que seu maldoso mestre estava como louco conversando com a parede
não entendeu o motivo que jogara violentamente Fábio contra o chão, e notou a
grande abertura de uma ferida em seu braço, assustando-se com este fato
inexplicável.
Pelo vilarejo
foi espalhada a lenda de que um grande demônio rondava as cercanias, todos
consequentemente ficaram muito assustados, e diziam que o demônio castigava à
todos aqueles que praticavam o mal, pois eram estes justamente as principais
vítimas do monstro, a que se chamava de Draj.
Num convento
porém, enquanto uma freira rezava com fervor recebeu ela uma outra aparição,
que em sua forma distanciava-se muito à imagem de um anjo. Naquela ocasião ela
estava prostrada diante de um altar, com a imagem de Jesus Cristo sendo
crucificado diante dela. Foi uma aparição muito estranha, por suposto. Esta
freira era estudante de processos mentais, e por muitos momentos ela chegou a
cogitar que tudo aquilo se trata-se de alucinações, mas não era como constatou
posteriormente. Por detrás do altar surgiu uma figura bastante curiosa, que
tinha o corpo de uma grande cobra, mas a cabeça era certamente de uma pessoa
bastante afável. Seria uma imagem irreal pensou, mas era tão real quanto era
sua própria vida. Neste momento a gigantesca e viscosa cobra com cabeça de um
senhor caridoso e bondoso descobrindo seus pensamentos disse da seguinte
maneira, com palavras hipnotizantes:
-
Crês que tua vida é verdadeira?
-
Claro... Mas tu es um sonho, não me venhas invadir a
realidade.
-
Não acha que a realidade é suscetível à interpretação?
-
Bem, - Disse a freira, já mais tranqüila pela afável
face da cobra que cada vez mais a envolvia.
-
Tu eis ilusão, fruto de minhas fantasias e pensamentos,
não sei como ousas invadir a realidade de meu mundo.
-
Crês então que teus pensamentos não são a realidade de
teu mundo?
-
Claro que são! Porém estes são livres como são as águas
do mar, não como o mundo que possui leis e regras findáveis.
-
É a realidade limitada? – Perguntou a cobra com ironia.
-
Não sei... estais me confundindo, pare de fazer isto
cobra malvada...
-
Não sejais tão tola amiga, pois teus pensamentos são a
tua realidade, o mundo em que viveis é a ferramenta que utilizareis para
produzir a tua realidade. Assim digo-vos que o mundo nada significa como
realidade propriamente dita, se sou eu a tua imaginação, me vejas como real e
não como irreal. Quê são os sonhos senão a realidade primordial das pessoas.
-
Tua face é tão linda, quem és tu?
-
Tua própria consciência, e venho dizer-te que já chega
o momento de enfrentares a ti mesmo.
-
Não me digas tais asneiras cobra.
-
Como quiserdes será.
-
Quê dizes de consciência.
-
A realidade.
-
Não te entendo.
-
O que se trata por realidade é a consciência.
-
És minha imagem mental?
-
Isso mesmo cara amiga – Disse a cobra olhando nos olhos
da freira, e envolvendo-a com seu comprido corpo. – Estamos uma com a outra
relacionadas, e se quer saber de uma coisa dir-te-ei o fato mais intrigante do
qual jamais pudera Ter idéia, que é justamente o de que eu posso ser mais real
que você, pois veja minha querida amiga, que você se preocupa muito com o mundo
exterior em que vive, e eu do contrario sou uma criatura bastante importante,
talvez muito mais importante que ti, já que a única realidade que existe no
mundo está baseada no mundo mental, o resto consta apenas de impressões
físicas, tão banais quanto a obscuridade de uma caverna.
-
Penso que buscas me confundir, mas agora vejo que há
grande razão no que me dizeis, mas fico com tamanha tristeza ao pensar que vivo
uma mentira e falsidade, que mesmo a pesar de saber deste fato não vou seguir
tuas palavras.
-
Preferes então seguir uma mentira já sabida que se
rebaixar e juntar-se à min.
-
Sim, mesmo sabendo que minha vida trata-se de ilusão do
mundo físico.
-
Me tens medo?
-
Claro que não.
-
Então dês um passo à frente.
-
Não quero me envolver.
-
Já estais moralmente envolvida.
-
Disto já sei pois tiraste de min uma possível realidade
em que vivia.
-
Vamos, somente um passo e estareis junto comigo.
Assim a
freira decidiu dar um passo à frente, neste momento juntou-se com sua própria
consciência, a cobra se enrolou nela, sentindo no início muita repugnância a
freira pensou por momentos em se desvencilhar, mas tardiamente nela surgiu uma
força de vontade oculta, no final da suposta cerimônia ela se viu quase que
esmagada pela cobra, porém nela surgiram sentimentos e idéias que nunca houvera
tido, e um nome surgiu em sua mente, este nome era Draj. A cobra sumiu para
nunca mais aparecer em sua vida, porém ela parecia conversar mentalmente com um
ser que não sabia explicar como aparecia. Não sabia se era telepatia. O fato é
que a partir deste momento naquela comunidade Draj foi considerado como um ser
de duas faces, todos acreditavam piamente nas lendas que foram rapidamente
propagadas. Draj era a figura de um demônio que assolava com crueldade as
pessoas perversas, e ao mesmo tempo congratulava-se em trocar idéias sobre a
vida e a realidade desta com as pessoas bondosas de coração, e, nestes momentos
se mostrava na forma de uma bondosa e mansa cobra que aos poucos se aproximava,
e no final pedia para que fosse dado um passo a frente, se fosse executado o
pedido ela envolvia a pessoa, que após momentos desmaiava, e acordava sem
quaisquer vestígios, caso contrário, no caso de que a pessoa não quisesse dar o
passo à frente Draj transformava-se no demônio horrendo de três chifres e dizia
que a pessoa não vivia conforme as leis que foram propostas segundo o eterno
parlamento sumindo em seguida deixando fétida fumaça no local.
As lendas eram
propagadas com grande velocidade, e às vezes distorcidas de modo que haviam
histórias totalmente diferentes às reais, e muitas outras vezes os mais cultos
e sábios desacreditavam dos fatos contados, e achavam que a população era de
tamanha ignorância que acreditava em tudo o que fosse inventado por qualquer
espertalhão.
Nesta época
fora proposto pelo conselheiro do grande rei que a plebe pagasse
devidamente impostos adicionais, que na
verdade eram totalmente inviáveis por suas condições, o conselheiro tinha por
trás disto tudo projetos nada corretos, pois planejava ganhar muito dinheiro. O
rei, não sabia da real situação de sua comunidade, e fora com isso
completamente enganado por seu súdito mais fiel. Tendo ocorrido isto a
comunidade revoltou-se contra o rei, maldizendo-o pela fome que passavam, e foi
neste momento em que o rei, enquanto jogava xadrez com o conselheiro fora
surpreendido com a visão de Draj em forma de demônio, enquanto que seu
conselheiro nada conseguia visualizar, acreditando que o rei estava em um
verdadeiro acesso de insanidade mental.
-
Quê fazeis com a população meu rei? – Grunhiu Draj com
tom ameaçador, sua figura era do tamanho de dois cavalos.
O rei de um
grande susto deu um salto quando apareceu-lhe aquela figura demoníaca diante de
si, com tantos dentes, vermelha escura misturada com cor de barro. Com olhos
verdes e um rosto todo creio de verrugas e fissuras estrondosamente horríveis,
derrubou o tabuleiro de xadrez e caiu aturdido para trás.
-
Quê passa contigo meu rei? – Perguntou em disfarçado
tom de preocupação o conselheiro.
Levantando-se
com dificuldade tornou a ver a horrível figura.
-
Vamos criatura! Levanta-te para me responder o que
pergunto.
-
A quê se refere? – Disse o rei lembrando-se da lenda, a
qual nunca acreditara.
-
Ao que chamais de impostos.
-
Está tudo dentro da normalidade em relação aos impostos
espírito maligno.
-
Como ousas mentir à Draj?
-
Não quero lubridiar-te, apenas digo-vos o que é a mais
pura verdade – Disse o rei numa frustrada tentativa de amenizar-lhe a ira.
Draj
furiosamente atacou o rei como um touro, e este foi jogado com sobre-humana
força à parede posterior daquele aposento, com graves ferimentos no abdômen e
peito o rei foi no exato momento arrastado até o mago do castelo, que não
constatou sua morte, tentando com desespero através de suas poções curar os
ferimentos e uma forte febre. O conselheiro não conseguira explicar o que
ocorrera, já que estava muito aturdido com a ocorrência, somente ficava
lembrando-se de forma repetitiva das palavras do rei de impostos e espírito
maligno, o que o deixava quase tão louco quanto ficara o rei. Haveria ele
descoberto seus planos de enriquecimento ilícito?
O rei, em sua
febre proferia constantemente em sua febre palavras ininteligíveis entre outras
que se distinguia claramente o que se referia aos impostos, parecia querer se
desculpar e explicar algo a um ser invisível. Após estes fatos, Draj
descobrindo que o verdadeiro culpado dos impostos era o conselheiro e não o rei
o matou justamente segundo as leis do eterno tribunal, perdoando o rei por
haver sido enganado por palavras de um falso homem.
Fato
extraordinário foram estas aparições e mortes misteriosas para os descrentes
daquela nova religião que surgira naqueles tempos, que foi chamada a posteriori
de “A metamorfose de Draj”, o ser dual. Fora uma religião surgida de fatos
reais diziam todos, e que viera para salvar à todos. Aos poucos os fenômenos
foram desaparecendo da comunidade e com isso, através da cultura, foi sendo
distorcida a realidade dos feitos de Draj, sendo a religião após tempos e tempos
subdividida em muitas outras, já que era interpretada de diversas maneiras.
Draj sempre discordou destas criações culturais, as quais ignora, pois segundo
ele não tratam-se da realidade propriamente dita. Mas o que entendemos por
realidade propriamente dita?
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