Trigésimo primeiro conto - Noites estreladas
Certa
feita tive um sonho, sim, almejava ardentemente alcançar as estrelas nas noites
gélidas e estreladas de minha cidade natal, uma cidade pequena e rural.
Alcançar as estrelas? Mas que coisa mais fantasiosa, uma ilusão que minhas
vontades mais sonhadoras criaram, para dar-me quem sabe algum deleite na vida,
sim: deleite! Pois é isto que fazem os sonhos em nós, nos fazem ficar com
aquele olhar vago e impreciso, um olhar apaixonado pelo prazer de sonhar, sonhar
por si só já vale a pena.
Que
maravilha eram aquelas noites em que eu mais um ou dois amigos ficávamos ali,
durante a noite somente a olhar as estrelas e a imaginar que existiria nestes
mundos distantes, cogitamos civilizações e mundos estonteantes, onde tudo era
diferente, e ainda, nos meus sonhos suscitava-se a imagem de que as estrelas
seriam reinos de seres de luz, o que quando comentava comigo mesmo atiçava
minha fértil construção sonhadora, então logo pensava que seriam estes seres de
luz, como se comunicariam entre si em seus mundos de grande esplendor.
O céu,
por certo, nos deixa tão pequeninos quando admirados que perdemos a consciência
de nós mesmos quando nos prostramos a contemplá-lo. Até a própria vida
corriqueira, nestes momentos parece perder seu tamanho de importância.
Entretanto é certo que em alguns momentos quando ali contemplava que a
imensidão de brilhos e luzes diversas me perdia em min de tal maneira que
parecia haver me transportado para lugar distante, assim como quando ouvimos
uma música de caráter devaneante parece que somos transportados no tempo e no
espaço até que num ponto não notamos sequer o que ocorre na música mas sim o
que se passa em nossa mente, da mesma maneira, não sei se influenciado pela
imensidão do cosmos ou o fato de infindáveis estrelas nos proporcionarem uma imagem
estética repetitiva e extasiante perdemo-nos em nós mesmos entrando numa
profundidade de consciência fora do comum.
É por
isto que almejava em meus sonhos alcançar as estrelas, até que um dia mudei
para a cidade grande, e ali, não sei descrever exatamente por qual motivo,
acabei por perder este gosto seleto pela contemplação daquelas noites
estreladas, sim, a vida acabou por ficar atulhada de outras questões a
resolver, questões estas que julguei prementes. Noto agora, sob a luz da
velhice, que muito perdi de meu tempo deixando este hábito de lado, pois o que
faz a vida são estes momentos de devaneios profundos, que fazem com que criemos
os valores mais importantes de nossas vidas.
Infelizmente muito tempo perdi, quando resolvi todas as questões da
minha vida, entretanto estas não eram as questões nevrálgicas e por isto disse
que muito tempo desperdicei num vazio
cheio de coisas vazias. Por vezes ainda parecia haver uma escassa lucidez, pois
mesmo na cidade, por incrível que pareça, no final da tarde, no momento em que
começa a escurecer uma ou outra estrela ousam aparecer no horizonte como se a natureza
estivesse resoluta em dizer: - Vejam só, eu estou aqui! – Talvez inconscientemente
eu tivesse esta idéia, pois ainda que não me preocupasse mais em ver estrelas,
por vez ou outra olhava de relance algumas, como se fosse uma atitude
indiferente e às vezes chegando a sentir certa raiva, enfadado, na verdade esta
raiva era comigo mesmo, e colocava este sentimento retrógrado nas outras
coisas, até nas estrelas que outrora representavam luz e vida. Mas a vida anda,
e nós andamos com ela, de modo que as mudanças são diversas, e acompanhamos
estas mudanças conforme nossa capacidade de adaptação e nossa força de vontade
para mudarmos outras situações e efetivarmos com força construtivas nossos
ideais e nossos projetos.
Depois
de certo tempo, não sei, talvez vinte anos, ou mesmo trinta, o fato é que eu
notei o quão perdido estava dentro de meus ideais, percebi então que os ideais,
aqueles em forma de sonho, que tinha enquanto criança eram mais verdadeiros que tudo o que pudera perpassar
na vida, digo isto porque enquanto criança sentia-me em jubilo verdadeiro, em
alegria sincera com sorrisos matreiros de sonhos encantadores. Assim que na
infância vivenciei meus sonhos, e na fase madura não pude sonhar vivenciando um
mundo de grande praticidade e parca vida, ora estas, me pergunto agora: Quê é
que faz a vida? Quê representa vivacidade?
Acaso não é o sorriso espontâneo? Ou mesmo a capacidade de extasiar-se
diante do mundo? Pois então, numa sombria nostalgia estas elocubrações recalcam
na insensatez humana, de ao longo da vida perder esta capacidade. Ou deveria
dizer naturalidade?
As
estrelas nunca sumiram do céu, o que sumiu foi o olhar que eu direcionava à
elas, aquele aspecto sintilante, brilhante e pupuleante sempre esteve ali,
todas as noites e também durante os dias obumbrado pela luz do sol, sim: de
maneira efetiva o céu era parte integrante de minha vida, de tal sorte que
tinha grande importância no conhecimento que empreendia de min mesmo, pois
contemplando-o e fantasiando eu chegava não só a conhecer uma realidade externa
como também uma realidade interna.
Hoje
ainda creio que o sonho pode ter sua importância em sonhar, não precisa de
outra coisa senão da satisfação e deleite que proporciona. Talvez também por
isto não tenha conseguido exatamente pegar uma estrela, o importante é que
depois de tanto tempo tendo por muito tempo perambulado por um mundo perdido e
cheio de nadas, me abstive e notei que em nossas vidas a única coisa que não
podemos perder é a naturalidade de deleitar-nos com nossos sonhos mais fantasiosos.
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