Wednesday, October 30, 2024

1 - A louca do Condado

 

PRIMEIRO CONTO – A louca do condado

      Os tambores rufavam com toda a imponência ao mesmo tempo faustoso o rei descia as escadarias dum magnífico castelo, iluminado por um sol causticante os plebeus digladiavam-se a ver toda a pompa de seus governantes. Clamorosos ímpetos insuflaram a ira do rei quando notou que uma dama de honra sentia-se constrangida por um suposto contratempo.

-          Quê passa com a senhorita?

-          Dentro do âmago de minhas efervescentes indagações tenho muitas dúvidas.... – Disse ela ao rei, enquanto este acorria pela escadaria à ajuda-la, no mesmo tempo em que todos os outros abismados contemplavam-nos.

-          Não entendi! Explique-se mais detidamente por favor.

-          Meu caro rei: Há muito tempo, eu como discípula da mais requintada família da corte fui acometida de loucura, ao menos assim acham muitos daqueles que travaram relações e conversações comigo, mas nunca julguei isto, neste mundo não sei como podem acusar uma pessoa tão honesta como eu, jamais roubei ou estorvei uma pessoa, nunca tive vontades contraditórias, e ainda assim julgam sem quaisquer circunstâncias que sou desregulada, que simplesmente sou débil e que não tenho nada de cabível....

-          Não temas! – Afirmou o rei, mesmo temendo ele próprio que fosse ela feiticeira, bruxa ou que tivesse parte com o demônio. – Farei o que estiver ao meu alcance a resolucionar este seu caso, agora não posso despender mais de meu tempo, devo prosseguir à outro reinado, passe bem, e venha ao meu castelo amanhã mesmo.

-          Claro, meu senhor rei, ficarei aqui, pois acaso tenha o senhor olvidado vivo no mesmo castelo que tu.

-          Sim, sim... Disto já sabia. – Retrucou o rei completamente sem graça pelo equívoco, já virando o rosto à um de seus auxiliares, insinuando que este já deveria há muito haver preparado o cavalo. – Claro que já era ciente deste fato minha querida, apenas fiz esta paródia, burlesca, satírica, cômica e engraçada a ver se a senhorita notasse algo de estranho, e se acaso notasse seria um veemente sinal de que teus pensamentos condiziam com a normalidade. – Assim se safou com exímia presteza deste erro o rei.

-          Claro, tudo faz sentido. – Disse a donzela extremamente satisfeita, e já menos estorvada. – Vês? Sou tão normal como qualquer outro...

-          Bem... Se me concedes a permissão devo apressar-me.

      Assim o rei foi resolver seus negócios de magnata, tratavam-se de negócios relativos à gado, igreja, feno e plantações. As vantagens que ficaram com o suposto outro negociante foram trocadas por uma valiosa aliança, recurso que resguardaria seu reino aos impropérios de uma futura e escandalosa guerra entre os reinos daqueles sítios. Devido ao fato de que o lugarejo não era lá demasiado distante ocorreu que no mesmo dia, no período da noite estava o rei de volta à seu suntuoso castelo. Extremamente satisfeito pediu que fosse servido um magnificente manjar, e foi-se dormir. No outro dia levantou-se de supetão pis ouvira não um mas muitos estrondos provindos da porta se seu grande e belíssimo quarto. – Mais que raios acontece neste castelo? Quase não tenho sossego! Parece mais um inferno que a casa do rei abençoado pelos desígnios de nosso santíssimo reverendo... – Então o rei disse uma série de impropérios enquanto vestiu-se enfadado com a ocorrência que curiosamente não havia cessado de ocorrer.

-          Meu rei, há uma mulher desesperada querendo falar-lhe algo de importante vigor, diz ela que a questão é de tamanha importância que as coisas da terra nem os assuntos do céu podem equiparar-se à premente discussão que visa direcionar-lhe.

-          Mas que desrespeito! – Blasfemou o rei, extremamente indignado com aquele funcionário, que segundo sua opinião era um vagabundo, ignorante e ignominioso que não devia nem seu respeito nem sua consideração. – Não notaste algo de estranho nela? Não percebeu que é uma louca?

-          Desconfiei senhor... – Redargüiu o pobre, notando sim a impetuosidade do rei que não gostara de nada que ele dissera, e principalmente com o estrondoso modo como despertara ao digníssimo comandante. – Mas é que ela falava com tal veracidade que desejava muito falar-lhe, e que inclusive havia marcado uma reunião com o senhor. Sim, disse que seu nome é Margarida, é por certo uma pessoa bastante peculiar, uma destas burguesas, não sei se vive em nosso castelo, mas é fato que deseja com grande urgência falar-lhe.

-          Claro que vive aqui, margarida é uma nobre de grande requinte e distinção. – Disse o rei, como se sempre, em toda sua vida, soubera disto, já metendo um dos braços pelo rosto do servo obediente e passando pelo estreito corredor com o nariz empinado.

      O pobre ajudante ficou para trás, totalmente desfigurado pela discrepância que o rei, a quem ele muito venerava, o transmitiu. O rei, a passos largos atravessou o passadiço, não queria mais perder tempo com aquilo, quando então finalmente chegou no grande salão viu aquela linda donzela sentada numa das belíssimas ornamentadas cadeiras de ébano compradas à muito tempo de um mercador oriental, aliás por um preço bastante salgado, mas o rei não se importava com isso já que quando fez a aquisição deste produto concebeu que o valor artístico era inconcebível, simplesmente não era possível estipular, mas como não vem isto ao caso neste momento devemos com rapidez retornar ao assunto nevrálgico deste conto....

      Chegando então o rei ao salão, olhou ele empertigado à mulher, à margarida, enquanto ela com um olhar confuso não sabia que dizer, somente proferiu algo quando ele comentou um bom dia ou algo similar.

-          A luz meu senhor ! Vejo luzes por todos os lados e não consigo me conter. Quê serão estas coisas? Me parece um túnel ou algo similar.

-          Luzes todos vêem, minha querida Margarida! Há luz no sol, na lua, nas velas dispostas nos candelabros e nos archotes embebidos em beberagens.

-          Não! São luzes coloridas, pontos luminosos de todas as cores. Sim! É isto.... Por isto me chamam de louca nesta terra de ímpios. Ó, mas que dor mais cruel, não terei mesmo apaziguamento. Serás tu que poderás me dizes quê é que passa comigo?

-          Margarida, por favor – reforçou o rei com boa vontade, recorrendo à outra daquelas magníficas cadeiras enquanto sentava-se à sua frente. – Não terás acaso te enganado? Não serão estas luzes como todas as outras? Por uma suposição creio que a senhora há de haver cometido um cabal engano.

-          Não meu rei. – Disse ela com angustia nas feições. -  O mundo não é conduido por suposições. Devemos apenas nos ater aos fatos reais tais como eles são, as suposições por certo são imaginações demoníacas que somente os bruxos ousam a colocar em vigência.

-          Talvez tenha me expressado erradamente. – Falou o rei apenas para apaziguar seu ânimo e reconciliar o tom da conversa – Disseste-me ontem que dizem por aí que eres louca?

-          Sim é tudo o que dizem, meu rei. Mas quê é a loucura senão a divergência de idéias?

      O rei então ficou sem saber o que responder, já que concordou plenamente com sua colocação, e após um breve momento de silêncio apenas olhou-a de esguelha, já que havia criado uma distração extremamente inconveniente naquele momento, que tratava-se justamente de tamborilar com os dedos em sua perna uma canção bastante interessante, segundo sua opinião. O que deixou Margarida empertigada, e ela após estes breves momentos não suportando mais tal gesto do rei redargüiu novamente, com um tom de insistente angústia e melancólica alucinação:

-          Hei de resolver estes enigmas meu rei, se acaso encontrares algo que me possa servir anseio por tuas palavras.

-          Não tenho, minha cara, no momento muitas elocubrações a dizer, apenas poderia proferir vagas opiniões à respeito destas suas idéias...

-          Não são idéias. -  Interferiu Margarida bastante contrariada, enquanto pegava um leque negro todo rendado e de maneira afoita e frenética começava a abanar seu lindo e ingênuo rosto – Não são idéias meu senhor, as idéias ficam na mente, e o que vejo, vejo com os olhos é real, é real... São umas luzes bastante peculiares sabe? Parecem com... Com qualquer coisa que nunca havia visto até então. Uma novidade, sim isto: uma novidade.

-          Têm certeza de que não são apenas idéias? É que nos últimos tempos eu andei pensando bastante sobre o assunto e cheguei à conclusão de que  as idéias são tão reais quanto qualquer outra coisa que possamos estar vendo e que teoricamente esteja exteriormente com relação ao nosso ser, acho mesmo que as idéias não são apenas o que se designa por criatividade mas sim uma realidade. – Falou o rei com grande conotação, quando notou que aquele assunto se enquadrava aos seus mais íntimos divagares. – Pois veja bem: A própria palavra criatividade, é de se conceber que é a atividade que cria. Pois então aquilo que é criado é real. Se então tenho uma cria de filhotes de cachorrinho estão eles criados, vivos, belos, bem alimentados e muito reais. Assim é viável correlacionar que aquilo que criamos, a criatividade por certo, é uma realidade pois já foi criada.

-          Mas quê quer dizer isto? Acaso o que vejo: estas estranhas luzes e túneis são reais? – Falou Margarida desacreditando de suas próprias crenças.

-          Claro, claro. – Esclareceu o rei, com ares de superioridade. – Veja bem minha amiga: a partir do momento em que criamos uma idéia será ela uma parte de nossa realidade, e por certo algo real, mesmo que seu início tenha se procedido no campo das idéias e não no campo exterior ao ser.

-          Sabe, meu rei, acho que o senhor explica-me tudo de maneira bastante singular. – Disse a mulher respeitosa e alegremente. – Mas por vezes tenho dificuldade em assimilar estas idéias, pois que assim seja! Não quero saber amiúde dos detalhes, a min me basta saber a verdade, pois esta será somente uma. Não é?

-          Claro que sim! A realidade há de ser uma e não mais, inclusive assustei-me diante de tua prodigiosa afirmação: A loucura é apenas a diferença de idéias, tão verdadeira quanto é a própria vida. Mas no que se refere à estas diferentes e coloridas luzes diria que, segundo minha teoria é algo que por certo por ser ou haver sido provinda de sua imaginação criativa, o que pode também ser chamado de alucinação, entretanto em nosso mundo e em nosso tempo ainda inexiste esta concepção, por este motivo não posso afirmar tratar-se disto, o que por certo creria se nossa tecnologia e ciência permitisse, ma como esta realidade trata-se de um conto ambientado num lugar dos mais longínquos e num tempo dos mais remotos ainda não estou apto a concluir diagnósticos de tais prodigalidades ( e nunca estarei, pois o conto se acabará antes que se passem as 500 gerações necessárias de minha dinastia ).  Hilaridades à parte, eu diria por certo que se não pode ser alucinação ou é realidade externa ou interna, sendo que quando é interna não deixa de ser externa.

-          Como assim? – Perguntou ingenuamente Margarida pegando um pedaço de pão de maneira audaz, duma mesa em que estavam dispostos uma série de guloseimas do café da manhã real.

-          Bem... – Elocubrou o rei, enquanto consentia com a periculosa e arriscada audácia da mulher em usurpar comida real. – explicar-lhe-ei com a maior boa vontade, dentro de minhas capacidades é claro.... errr... – Disse ele fingindo simplicidade e humildade enquanto preparava a garganta com um grunhir bastante estranho, bastante similar à um cavalo relinchando ou à um porco roncando alto, som ao que ela assustou-se e julgou espalhafatoso mas fingiu não notar o ato deselegante. – O que quis dizer quando disse que a realidade interna não deixa de ser externa é que o mundo não é tal como prevemos por regras, mas sim como sentimos por idéias, sentidos e ilusões... Cada um vê o mundo de maneira distinta, assim como disse a senhorita de maneira espontânea e perspicaz, assim, se cada um vê o mundo da maneira que quer e bem entende, duma maneira distinta, peculiar e diferente todos então são loucos, já que isto se entende por loucura. Isto eu disse baseado nos preceitos de que cada pessoa deste, e de todos os outros reinos têm valores morais diferentes, idéias das mais variegadas, concepções de obscuras às luxuriantes e crenças das diabólicas às angelicais, por isso o mundo não é só um. Eu diria de maneira originalíssima que os mundos são muitos, e tantos quanto o número de pessoas que neles vivem, como s cada um, por ver o mundo de maneira diversa o tranformasse numa veia deste. Há tantas veias que parecemos então viver num entrelaçado infindável de veias, sendo que o sangue que corre por todas elas é o mesmo: a essência do mundo!

-          Quer dizer o senhor, respeitável rei... – Disse margarida consternada com as idéias com as quais tomava contato, e procurava assimilar na medida em que recebia aquela avalanche de informações, ao mesmo tempo que pegava uma belíssima amostra de maçã silvestre dum cesto de prata, e logo em seguida sentisse em seus lábios carnudos seus doces e sussurantes sulcos. – Quer dizer que a essência é só uma mesmo a pesar de todos serem loucos, de todos terem visões diferentes do mesmo mundo?

-          É... – Tentou concluir com dificuldade o rei, afeiçoando-se da donzela quando notou finalmente que ela era de belíssimas feições, com uns olhos azuis brilhantes como a alma mais pura que pudera haver visto no condado, assim quase sem saber o que falar, enquanto a contemplava balbuciou. – É justamente isto que eu tentava dizer, que os mundos são muitos, mas que somente uma essência verdadeira corre por eles, é só um sangue que corre por nosso corpo, mas ele por certo irriga órgãos tão diferentes quantos são a águia da cotovia. – Concluiu finalmente num tom anatômico e zoológico, admirado por sua própria afirmação e supostamente pelo brilho que via emanado daquela belíssima mulher...

      Margarida naquele momento nada respondeu, apenas admirou-se por concluir a simplicidade daquelas idéias, mas ao mesmo tempo embebeu-se da profundidade das mesmas, continuou então a comer aquelas belíssimas, refinadas e requintadas iguarias, juntamente com o rei, que neste momento ficou rubro, com um olhar acanhado e um sorriso forçado, pois foi este o justo momento que se sentiu envolto numa mística paixão, que decorreu mais tarde num casamento de extraordinárias proporções, com as festas mais respeitáveis e admiráveis, nas quais eram convidadas além das famílias mais nobres da comunidade o próprio populacho. Enquanto à guerra anteriormente citada, esta não ocorreu, deflagrando apenas num blefe que quinta categoria, o que tragicamente repercutiu ao rei numa inevitável perca de muitos equitares e muitas cabeças de gado sem haver se aproveitado devidamente das valiosas prestações de serviço do exército que se prostrara à ele devido à aliança feita com o outro condado. Mas como na vida não se sabe ao certo o destino de todas as coisas foi de se estimar a alegria que o rei teve em proferir uma frase bastante conhecida, levada à posteridade por seus condescendentes, e fixada profeticamente nos anais das mais laboriosas regras do castelo: - Mais vale amar à disparidade da vida que esperar à cáustica e inexistente guerra!

No comments:

Post a Comment

34 - Pássaros de luz

  trigésimo quarto - Pássaro de luz Vida vida corre vida, corre para lá corre para cá e se esvai, se esvai. Engrandece cresce. O pássaro d...