Monday, November 4, 2024

33 - Aqueles que não souberam ouvir

 

Trigésimo terceiro conto: Aqueles que não souberam ouvir

 

Na suposição de que houvesse no mundo uma só cultua construída em conjunto por todos os povos, nações que em conjunto erigiriam uma só verdade, um só pensar, chegaríamos ao consenso de que o mundo seria um tanto monótono. Para que esta trágica desventura não ocorra existe no mundo a pluralidade, ora estas, sendo todas as desventuras trágicas devemos nos ater que esta seria uma desventura como qualquer outra, tão triste, enfadonha e terrificante quanto as outras.

Pluralidade de idiomas, modismos, tipos, e receitas, tudo partindo das idéias. Assim é o mundo. Neste contexto encontramos dois sujeitos na calçada de uma pequena cidade do interior, conversando amistosamente:

- Então Carlos, conforme eu estava dizendo, antes deste interlocutor estranho interferir nossa conversa para fazer esta introdução loquaz e profunda, acho que esta cidade é um tanto estranha. – Falou o primeiro que era um sujeito de extrema obesidade com cabelos de roqueiro e muita dificuldade para falar por causa de sua grande papada e certa tosse da qual era acometido periodicamente, mesmo em tempos de calor.

- Definitivamente Luiz, não vejo grandes motivos para alarde, nossa cidade é por vezes estranha, mas não vejo nada que seja motivo suficiente para criar alarde. – Disse o outro que era um sujeito de extrema magreza e olhos esbugalhados de tão saltados da face que eram.

- Não vê motivos? E os casos de extra terrestres? E as lendas de almas penadas de que nos falam os caboclos das redondezas? E os artistas excêntricos do centro da cidade? E as histórias de homens que por motivos desconhecidos se tornam metade animais metade homem? E as mudanças climáticas repentinas inesperadas por aqueles que mais conhecem os fenômenos climáticos? E as histórias de homens que levitam, conversam com cavalos e têm poderes tele-cinéticos? Quê dizer de tudo isto?

- São baboseiras que contam para deixar mais abismados os mais fracos.

- É certo porém, que por traz de uma asserciva infundada há alguma intenção, seria esta intenção simplesmente assustar? Quê ganha o sujeito que pretende assustar senão um falso prazer, ver o outro crer em sua mentira nada traz.

- São todos uns mentiroso de merda! Que raiva tenho deste que ficam inventando tais besteiras! – Falou o magro totalmente conturbado por um aceso de ira, que o outro não esperava, e que não esperando fez uma cara pasmada e estática.

- Não há necessidades de tantos insultos, lembre-se que um homem sábio nunca confia totalmente em suas próprias idéias.

- Sempre acreditei esta ser uma cidade normal.Luiz, nada destas idéias loucas vão entrar em minha mente.

- Não são apenas idéias, as lendas e mesmo os mitos surgem de um princípio verdadeiro, mesmo que sejam códigos diferenciados de linguagem, como linguagem metafórica ou coisas assim.

Após esta breve e cordial conversa entre Luiz e Carlos um estrondo estonteante surgiu ao redor, parecia uma bomba, mas na realidade era o princípio de uma música bombástica que um dos vizinhos tinha o hábito de ouvir no último volume de seu aparelho de som super-potente.

Apos um susto de grandes proporções decidiram se afastar daquele lugar, pois o barulho da música era de tal modo ensurdecedor que se acaso ficassem poucos minutos à mais ali certamente teriam sérios problemas de tímpano e em todo o aparelho auditivo. Foi o que de fato ocorreu, pois a partir deste dia Luiz e Carlos foram acometidos d surdez parcial momentânea, era momentânea justamente porque não era contínua, ora estas como explicar algo tão fácil de se entender? Em certos períodos não ouviam, e logo a capacidade auditiva retornava ao normal. Isto foi motivo de muitas situações inusitadas, pois começavam por vezes a palestrar com pessoas, e de maneira imprevista eram acometidos por esta desagradável ocorrência. Foi incontestável a confirmação desta contundente e desconhecida doença, fato notório entretanto é que mesmo tendo sido considerada uma doença era bastante proveitosa, pois haviam momentos em que não queriam escutar o que os outros tinham a dizer, e quando calhava de não estarem em um ambiente de conversa proveitosa e lhes ocorria a tal ausência de audição ficavam até felizes, porém não deixavam transparecer este estado de exaltação para não desagradar os circunstantes com os quais confabulavam. Vamos agora presenciar uma destas situações.

- Somos todos uns loucos! – Proferiu o professor Grausélios, um professor de filosofia de certa universidade, que neste momento trocava idéias com Carlos e Luiz.

- Sim, até certo ponto conservo a mesma opinião... – Confirmou Luís após tossir por cerca de um minuto, a ponto de ter de receber o auxílio de seu comparsa Carlos, que com fortes tapas em suas costas o auxiliou a respirar com maior tranqüilidade. – Entretanto sou do partido de que a loucura têm lá certos limites.

- Calma meus amigos, vamos manter a palestra em seu caminho mais adequado, veja bem Luiz, o homem, na sua busca pelo mundo muito se aproxima de caminhos obscuros, perpassa todo o sofrimento, muito erra até encontrar a glória. A vida têm uma infinidade de ritmos e o ritmo da loucura está tão próximo do ritmo da genialidade que sequer percebe-se a tênue diferença, se é que realmente existe alguma diferença.

- Professor Grausélios, - Disse Carlos já um pouco conturbado com aquelas colocações, que em sua linha de raciocínio não tinham nexo. – Não entendo definitivamente o fato de o senhor colocar duas idéias, que imagino serem antagonistas, tão próximas uma da outra. Que raios o partam! É uma verdadeira falácia isto que o senhor está dizendo, acho mesmo que a tua filosofia chegou a tal ponto, que não tendo mais o que ultrapassar contentou-se por inventar besteiras das mais diversas, por isto transformou-se numa loucura. Não quero insultar-te, mas o senhor, mesmo sendo relativamente novo caducou. Quantos anos têm? 40? Pois é, e ainda por cima têm apenas esta idade, pobre coitado, que tua família e teus companheiros tenham piedade de tal alma.

- Quantos exageros meu amigo Carlos, não é necessário tanto para refutares minhas idéias, basta dizer que não concordas e pronto.

- Pois então: não concordo! São esquisitices do senhor.

- Quem me dera então, meus amigos Carlos e Luis, se todos fossem assim pouco esquisitos, o mundo certamente seria um pouco melhor, e não constituído apenas de pessoas que se adequam aos moldes propostos pela sociedade.

- Neste aspecto devo concordar com o professor. – Falou Luis. enviando um olhar comprometedor e acusador à Carlos, fazendo com que ele se sentisse levemente constrangido por descordar por 90% do que dizia Grausélios.

- Se você concorda comigo é porque o que digo faz sentido. O objetivo do homem no mundo qual é? Quais são os sonhos que mais almejamos em nossas vidas? Quais são, das profundezas de nossas vidas, as coisas pelas quais devemos lutar para conquistar? Existe algo para conquistar? Por que o ser humano não consegue viver sem criar metas? O quê é a realidade? Qual é o sentido da tua vida? Qual é a tua filosofia de vida personalizada? Meus queridíssimos colegas, a vida se fundamenta no conhecimento que o homem cria para si mesmo e não simplesmente do conhecimento que absorve de fontes externas. Por isto a vida nasce primeiramente na imaginação, já pararam os senhores para refletir sobre o por quê das crianças acreditarem tanto em suas próprias imaginações? Por quê as crianças brincam tanto e são tão felizes? E quando adultas e idosas são tão tristes e enfadonhas. Por que tal sorte de desgraça ocorre com toda a humanidade? Oh! Quantas desventuras não serão devidas à falta de capacidade imaginativa. Chego a dizer que a vida é a própria imaginação, tenhamos meus amigos consciência disto. Viva a imaginação!

- Viva! – Gritaram os outros dois em uníssono, mesmo tendo sido acometidos durante toda aquela larga palestra de uma surdez temporária, o que para Grausélios passou despercebido pois conseguiram dissimular magistralmente que estavam ouvindo tudo, pois enquanto Grausélios falava faziam feições de pessoas super atentas, os olhos até ficaram meio avermelhados de tanto esforço que faziam por manter-los no nível máximo de abertos, as pálpebras ficaram até relativamente doloridas, a sorte foi que a surdez havia se dissipado justamente no momento em que o professor proferira: Viva a imaginação! Isto correspondeu à um tempo suficiente para raciocinarem em velocidade fabulosa e responderem aquilo que responderam.

- Notei, meus queridos. – Retornou Grausélios com grande enternecimento, por se sentir correspondido. - que vocês são dotados de grande força de entendimento, vejam vocês que tais tipos de pessoas não se encontra comumente, por isto quero parabenizá-los.

- Obrigado senhor professor, mas no momento acho que estamos de saída, justo porque temos certa pressa para tal e qual compromisso, muito obrigado pela palestra, creio que estejamos agora verdadeiramente transtornados, err... quer dizer: transformados pelas elocubrações de importância preponderante à qualquer ser humano. Bem, devemos nos ir, nos vemos por aí. Thau! – Falou Luís utilizando uma capacidade pantomínica que até então desconhecia em si mesmo.

- Já que vocês têm presa fiquem com meu contato pois assim poderíamos confabular muitas outras vezes mais, muito obrigado, adeus.

E assim, a dupla foi para um lado enquanto Grausélios extremamente satisfeito direcionou-se à faculdade a dar suas aulas. Fato foi que nem Luis nem Carlos entenderam o que o professor falava naquele momento áureo e culminante de sua palestra, e tampouco queriam buscar por entender, pois este foi mais um daqueles momentos em que julgaram interessante conciliar a surdez temporária como forma de um auxílio para não ouvir o que queriam ouvir. Quê é senão isto que fazemos nós em nossas vidas, quando não mais brincamos como crianças, depois de transformar-mo-nos em adultos e idosos patéticos e mórbidos, donde a vida já perdeu a graça por uma extrema falta de imaginação, e o mais importante: acreditar na imaginação, e com sabedoria saber ouvir e procurar entender aquilo que é diferente e aparentemente louco.

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