Trigésimo terceiro conto: Aqueles que não souberam
ouvir
Na suposição de que houvesse no mundo uma só cultua
construída em conjunto por todos os povos, nações que em conjunto erigiriam uma
só verdade, um só pensar, chegaríamos ao consenso de que o mundo seria um tanto
monótono. Para que esta trágica desventura não ocorra existe no mundo a
pluralidade, ora estas, sendo todas as desventuras trágicas devemos nos ater
que esta seria uma desventura como qualquer outra, tão triste, enfadonha e
terrificante quanto as outras.
Pluralidade de idiomas, modismos, tipos, e receitas,
tudo partindo das idéias. Assim é o mundo. Neste contexto encontramos dois
sujeitos na calçada de uma pequena cidade do interior, conversando
amistosamente:
- Então Carlos, conforme eu estava dizendo, antes
deste interlocutor estranho interferir nossa conversa para fazer esta
introdução loquaz e profunda, acho que esta cidade é um tanto estranha. – Falou
o primeiro que era um sujeito de extrema obesidade com cabelos de roqueiro e
muita dificuldade para falar por causa de sua grande papada e certa tosse da
qual era acometido periodicamente, mesmo em tempos de calor.
- Definitivamente Luiz, não vejo grandes motivos
para alarde, nossa cidade é por vezes estranha, mas não vejo nada que seja
motivo suficiente para criar alarde. – Disse o outro que era um sujeito de
extrema magreza e olhos esbugalhados de tão saltados da face que eram.
- Não vê motivos? E os casos de extra terrestres? E
as lendas de almas penadas de que nos falam os caboclos das redondezas? E os
artistas excêntricos do centro da cidade? E as histórias de homens que por
motivos desconhecidos se tornam metade animais metade homem? E as mudanças
climáticas repentinas inesperadas por aqueles que mais conhecem os fenômenos
climáticos? E as histórias de homens que levitam, conversam com cavalos e têm
poderes tele-cinéticos? Quê dizer de tudo isto?
- São baboseiras que contam para deixar mais
abismados os mais fracos.
- É certo porém, que por traz de uma asserciva
infundada há alguma intenção, seria esta intenção simplesmente assustar? Quê
ganha o sujeito que pretende assustar senão um falso prazer, ver o outro crer
em sua mentira nada traz.
- São todos uns mentiroso de merda! Que raiva tenho
deste que ficam inventando tais besteiras! – Falou o magro totalmente
conturbado por um aceso de ira, que o outro não esperava, e que não esperando
fez uma cara pasmada e estática.
- Não há necessidades de tantos insultos, lembre-se
que um homem sábio nunca confia totalmente em suas próprias idéias.
- Sempre acreditei esta ser uma cidade normal.Luiz,
nada destas idéias loucas vão entrar em minha mente.
- Não são apenas idéias, as lendas e mesmo os mitos
surgem de um princípio verdadeiro, mesmo que sejam códigos diferenciados de
linguagem, como linguagem metafórica ou coisas assim.
Após esta breve e cordial conversa entre Luiz e
Carlos um estrondo estonteante surgiu ao redor, parecia uma bomba, mas na
realidade era o princípio de uma música bombástica que um dos vizinhos tinha o
hábito de ouvir no último volume de seu aparelho de som super-potente.
Apos um susto de grandes proporções decidiram se
afastar daquele lugar, pois o barulho da música era de tal modo ensurdecedor
que se acaso ficassem poucos minutos à mais ali certamente teriam sérios
problemas de tímpano e em todo o aparelho auditivo. Foi o que de fato ocorreu,
pois a partir deste dia Luiz e Carlos foram acometidos d surdez parcial
momentânea, era momentânea justamente porque não era contínua, ora estas como
explicar algo tão fácil de se entender? Em certos períodos não ouviam, e logo a
capacidade auditiva retornava ao normal. Isto foi motivo de muitas situações
inusitadas, pois começavam por vezes a palestrar com pessoas, e de maneira
imprevista eram acometidos por esta desagradável ocorrência. Foi incontestável
a confirmação desta contundente e desconhecida doença, fato notório entretanto
é que mesmo tendo sido considerada uma doença era bastante proveitosa, pois
haviam momentos em que não queriam escutar o que os outros tinham a dizer, e
quando calhava de não estarem em um ambiente de conversa proveitosa e lhes
ocorria a tal ausência de audição ficavam até felizes, porém não deixavam
transparecer este estado de exaltação para não desagradar os circunstantes com
os quais confabulavam. Vamos agora presenciar uma destas situações.
- Somos todos uns loucos! – Proferiu o professor
Grausélios, um professor de filosofia de certa universidade, que neste momento
trocava idéias com Carlos e Luiz.
- Sim, até certo ponto conservo a mesma opinião... –
Confirmou Luís após tossir por cerca de um minuto, a ponto de ter de receber o
auxílio de seu comparsa Carlos, que com fortes tapas em suas costas o auxiliou
a respirar com maior tranqüilidade. – Entretanto sou do partido de que a
loucura têm lá certos limites.
- Calma meus amigos, vamos manter a palestra em seu
caminho mais adequado, veja bem Luiz, o homem, na sua busca pelo mundo muito se
aproxima de caminhos obscuros, perpassa todo o sofrimento, muito erra até
encontrar a glória. A vida têm uma infinidade de ritmos e o ritmo da loucura
está tão próximo do ritmo da genialidade que sequer percebe-se a tênue
diferença, se é que realmente existe alguma diferença.
- Professor Grausélios, - Disse Carlos já um pouco
conturbado com aquelas colocações, que em sua linha de raciocínio não tinham
nexo. – Não entendo definitivamente o fato de o senhor colocar duas idéias, que
imagino serem antagonistas, tão próximas uma da outra. Que raios o partam! É
uma verdadeira falácia isto que o senhor está dizendo, acho mesmo que a tua
filosofia chegou a tal ponto, que não tendo mais o que ultrapassar contentou-se
por inventar besteiras das mais diversas, por isto transformou-se numa loucura.
Não quero insultar-te, mas o senhor, mesmo sendo relativamente novo caducou.
Quantos anos têm? 40? Pois é, e ainda por cima têm apenas esta idade, pobre
coitado, que tua família e teus companheiros tenham piedade de tal alma.
- Quantos exageros meu amigo Carlos, não é
necessário tanto para refutares minhas idéias, basta dizer que não concordas e
pronto.
- Pois então: não concordo! São esquisitices do
senhor.
- Quem me dera então, meus amigos Carlos e Luis, se
todos fossem assim pouco esquisitos, o mundo certamente seria um pouco melhor,
e não constituído apenas de pessoas que se adequam aos moldes propostos pela
sociedade.
- Neste aspecto devo concordar com o professor. –
Falou Luis. enviando um olhar comprometedor e acusador à Carlos, fazendo com
que ele se sentisse levemente constrangido por descordar por 90% do que dizia
Grausélios.
- Se você concorda comigo é porque o que digo faz
sentido. O objetivo do homem no mundo qual é? Quais são os sonhos que mais
almejamos em nossas vidas? Quais são, das profundezas de nossas vidas, as
coisas pelas quais devemos lutar para conquistar? Existe algo para conquistar?
Por que o ser humano não consegue viver sem criar metas? O quê é a realidade?
Qual é o sentido da tua vida? Qual é a tua filosofia de vida personalizada?
Meus queridíssimos colegas, a vida se fundamenta no conhecimento que o homem
cria para si mesmo e não simplesmente do conhecimento que absorve de fontes
externas. Por isto a vida nasce primeiramente na imaginação, já pararam os
senhores para refletir sobre o por quê das crianças acreditarem tanto em suas
próprias imaginações? Por quê as crianças brincam tanto e são tão felizes? E
quando adultas e idosas são tão tristes e enfadonhas. Por que tal sorte de
desgraça ocorre com toda a humanidade? Oh! Quantas desventuras não serão
devidas à falta de capacidade imaginativa. Chego a dizer que a vida é a própria
imaginação, tenhamos meus amigos consciência disto. Viva a imaginação!
- Viva! – Gritaram os outros dois em uníssono, mesmo
tendo sido acometidos durante toda aquela larga palestra de uma surdez
temporária, o que para Grausélios passou despercebido pois conseguiram
dissimular magistralmente que estavam ouvindo tudo, pois enquanto Grausélios
falava faziam feições de pessoas super atentas, os olhos até ficaram meio
avermelhados de tanto esforço que faziam por manter-los no nível máximo de
abertos, as pálpebras ficaram até relativamente doloridas, a sorte foi que a
surdez havia se dissipado justamente no momento em que o professor proferira:
Viva a imaginação! Isto correspondeu à um tempo suficiente para raciocinarem em
velocidade fabulosa e responderem aquilo que responderam.
- Notei, meus queridos. – Retornou Grausélios com
grande enternecimento, por se sentir correspondido. - que vocês são dotados de
grande força de entendimento, vejam vocês que tais tipos de pessoas não se
encontra comumente, por isto quero parabenizá-los.
- Obrigado senhor professor, mas no momento acho que
estamos de saída, justo porque temos certa pressa para tal e qual compromisso,
muito obrigado pela palestra, creio que estejamos agora verdadeiramente
transtornados, err... quer dizer: transformados pelas elocubrações de
importância preponderante à qualquer ser humano. Bem, devemos nos ir, nos vemos
por aí. Thau! – Falou Luís utilizando uma capacidade pantomínica que até então
desconhecia em si mesmo.
- Já que vocês têm presa fiquem com meu contato pois
assim poderíamos confabular muitas outras vezes mais, muito obrigado, adeus.
E assim, a dupla foi para um lado enquanto
Grausélios extremamente satisfeito direcionou-se à faculdade a dar suas aulas.
Fato foi que nem Luis nem Carlos entenderam o que o professor falava naquele
momento áureo e culminante de sua palestra, e tampouco queriam buscar por
entender, pois este foi mais um daqueles momentos em que julgaram interessante
conciliar a surdez temporária como forma de um auxílio para não ouvir o que
queriam ouvir. Quê é senão isto que fazemos nós em nossas vidas, quando não
mais brincamos como crianças, depois de transformar-mo-nos em adultos e idosos
patéticos e mórbidos, donde a vida já perdeu a graça por uma extrema falta de
imaginação, e o mais importante: acreditar na imaginação, e com sabedoria saber
ouvir e procurar entender aquilo que é diferente e aparentemente louco.
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